Prevenção e capital humano
O artigo publicado na Lancet, no início do ano, sobre a definição de obesidade e respectivos critérios levou-me a refletir sobre o assunto. Não o considero inovador, na ótica dos profissionais da nutrição, habituados que estamos a essa classificação e subsequente aplicação. Mas admito que tenha sido esclarecedor e até refundador para outros profissionais de saúde.
Entre esses profissionais de saúde não incluo os nutricionistas. Porquê?
Porque considero, que há muito trabalhamos naquele formato.
Há muito que utilizamos o Índice de Massa Corporal como instrumento de rastreio para o estado nutricional. Rastreio esse, como o próprio nome indica, sinaliza o utente com excesso de peso e serve de indicativo para proceder à referenciação para a consulta de nutrição. Chegado à consulta de nutrição este utente é avaliado, utilizando não só instrumentos antropometricos que incluem a aferição do perímetro da cintura, da composição corporal, através de balanças de bioimpedância, assim como toda a informação relevante para conhecer o estado nutricional em todas as suas dimensões e utilizar essa informação para definir o nível de risco associado, e personalizar a intervenção nutricional.
Por outro lado, também considero que Portugal inovou há muito, nomeadamente quando a DGS publicou o Processo Assistencial Integrado para a Pré-obesidade, em 2016, com a finalidade de uniformizar procedimentos, sinalizar num estadio precoce, intervir em modo multidisciplinar e garantir cuidados de saúde nesta vertente específica.
Denotando relevância e preocupação ao definir estratégias para debelar a sobrecarga ponderal.
E o mesmo se verificou quando publicou o despacho, de 11 de dezembro de 2023, sobre a implementação de um programa integrado de cuidados para a pre-obesidade e obesidade.
Problema, o não acompanhamento dessas medidas de dotação de instrumentos e recursos para a exequibilidade destes programas.
Como é possível executar sem nutricionistas para integrar os serviços e as equipas multidisciplinares?
Dito isto, e quando se assinalou recentemente o Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade, muito se fez, mas muito há para fazer.
Algo continua a correr mal, porque quando olhamos para os números, a obesidade continua a crescer, quer na população infanto-juvenil, quer nos adultos.
É preciso inverter a progressão.
É preciso executar os planos de forma articulada entre os diferentes intervenientes.
Sinto que continuamos a correr atrás do prejuízo, atuando com a doença instalada, privilegiando a terapêutica e menorizando as mudanças comportamentais, essenciais para uma transformação efetiva.
Quando é que o Estado vai perceber que a intervenção faz-se a montante, com prevenção, dotando os serviços de meios humanos e físicos?
Quando é que vai alocar nutricionistas em número suficiente para travar a obesidade e promover uma população mais saudável, informada e capaz de tomar decisões conscientes?
Não chegam apenas medidas avulsas e desarticuladas.
Não chegam as boas intenções.
Julgo que todos desejamos uma população mais saudável e um panorama mais risonho, para as crianças de hoje que serão os adultos de amanhã.
O que ainda mais pertinente , já que evocámos o dia da criança recentemente.