Nos bastidores da vitória
Seja no culturismo, no futebol ou no atletismo… há um ponto comum nas mulheres dos atletas profissionais em permanente superação física e mental
“Como falo das minhas necessidades sem parecer que estou a tirar o foco dele?”
“Como me expresso sem destabilizar?”
“É o défice calórico? A tensão pré-competição? Ou é algo que ele não me diz?”
“Estou a abdicar dos meus sonhos por causa dos dele?”
Estas são perguntas que não se dizem em voz alta. Mas são reais e recorrentes. São as principais perguntas que muitas mulheres de atletas profissionais fazem à inteligência artificial (IA). São perguntas que ecoam nos bastidores das grandes competições, que não cabem nas estatísticas, e que fazem parte da vida de quem ama e apoia incondicionalmente um atleta profissional. De quem mergulha na essência do que significa caminhar ao lado de um homem em missão, debaixo dos holofotes e sob pressão de alta performance.
Algumas mulheres de atletas também me perguntam como lido com este tema. Intuem que há algo na nossa dinâmica familiar que cultiva harmonia e querem descobrir como criar esse equilíbrio nas suas próprias vidas.
É que o mundo vê o corpo. A disciplina. A força. O momento em que eles entram na arena, invencíveis, esculpidos pelo foco, pela intenção e pela superação. Mas poucos percebem o que os sustenta por dentro: a nutrição emocional constante, silenciosa, que não se pesa na balança nem aparece nos gráficos de performance.
Chama-se presença emocional segura e muitas vezes, tem o nome das mulheres destes atletas. É aqui que entra em cena a neurociência do vínculo.
Quando falamos de alta competição, falamos de um sistema nervoso em estado de alerta quase permanente. Durante meses, o atleta treina com o sistema nervoso simpático ativado: foco, intensidade, combate, precisão. Mas é na capacidade de regulação, de recuperar, de integrar, de voltar ao centro, que se define o sucesso. E é aqui que o papel da mulher, enquanto companheira emocionalmente consciente, se torna determinante.
Os estudos demostram que uma relação segura e empática reduz o nível de cortisol (hormona do stress); aumenta a oxitocina (hormona da confiança e do vínculo); fortalece a variabilidade da frequência cardíaca (marcador de resiliência fisiológica e ativa os circuitos de segurança do cérebro (amígdala desativada, córtex pré-frontal funcional). Por outras palavras: um corpo sob pressão extrema precisa de um lugar onde o sistema nervoso possa exalar. E muitas vezes, esse lugar é o nosso colo, o das mulheres dos atletas (é válido para maridos, também!).
Sabemos que as necessidades humanas são universais e que, como nos ensinou Marshall Rosenberg, por trás de cada comportamento existe um pedido de cuidado, segurança e amor. A neurolinguística lembra-nos que há sempre uma intenção positiva.
Com isto em mente, torna-se mais fácil perceber que, nos dias de maior exigência, eles não estão ausentes, estão hiperfocados. Se respondem com irritação, muitas vezes é exaustão disfarçada. O silêncio não é distância, é proteção.
Por isso, basta comunicar com o coração aberto: observar sem julgar; nomear sentimentos e emoções, em vez de culpar; expressar as nossas necessidades com empatia; escutar o que não é dito, mas está presente no corpo deles.
Por exemplo:
“Vejo que estás mais calado hoje. Imagino que o treino tenha sido duro. Queres que fique só aqui contigo ou preferes conversar mais logo?”
Esta pergunta, aparentemente simples, modela o campo emocional, ou seja, cria espaço interno para atribuir significado, em vez de reagir automaticamente, redireciona o foco da emoção para a interpretação, o que oferece margem para escolher como sentir e agir, transforma a carga emocional da experiência, ao passar do “sentir sem pensar” para o “refletir sobre o que sinto”. E tudo isto é sinónimo de respeitar o ritmo interno de um corpo em superadaptação.
Para quem ainda associa o feminismo a extremos, o feminismo maduro lembra que apoiar não é anular-se, é expandir o vínculo. Ainda se ouve dizer que nós, mulheres de atletas profissionais, assumimos um papel de subserviência. Não é verdade. É liderança relacional. A mulher que escolhe apoiar o seu companheiro atleta não desaparece, está a ancorar. Está a dizer com o corpo e com a alma: “És suficiente, mesmo quando não te sentes. E não precisas de carregar tudo sozinho.”
Esta atitude é profundamente feminista e generativa. É uma forma consciente de relação, onde ambos são vistos e reconhecidos, onde ambos têm espaço, voz e missão: eles no palco, nós no campo invisível, vibracional, onde se joga a verdadeira vitória, aquela que mantém o coração ligado e as três mentes interligadas, mesmo sob alta pressão.
A vitória não se mede só em medalhas. Mede-se nos vínculos, nas conexões que se fortalecem nos desafios. É fácil e maravilhoso aplaudir no pódio; o verdadeiro desafio está em sustentar nos bastidores.
Quem já percorreu o caminho do amor consciente sabe: os maiores desafios não são ultrapassados a sós. São atravessados a dois, com presença, apoio mútuo e um compromisso que se renova nos momentos mais exigentes. E ao lado de muitos homens que cruzam a meta, há uma mulher consciente, generativa, serena e inteira que não carregou peso, não correu… mas foi o chão onde eles aprenderam a voar.
A convivência entre mundos diferentes, o do alto rendimento e o da vida “fora do palco”, pode ser um terreno fértil para crescimento mútuo. Com base na minha experiência, tanto enquanto mulher de atleta como profissional da neurolinguística, partilho agora algumas práticas generativas que ajudam o casal a crescer mutuamente:
1. Criar um sistema nervoso co-regulado entre o casal
Quando estamos emocionalmente disponíveis, empáticas e presentes, os sistemas nervosos de ambos regulam-se mutuamente. Isso traduz-se em menos reatividade, menos discussões desnecessárias e mais resiliência e ligação.
Os casais que sabem co-regular melhor o stress criam espaço para gerar mais amor e harmonia.
2. Reforçar a confiança mútua e o compromisso emocional
O nosso apoio, especialmente nos momentos de maior exigência física e mental, ativa no cérebro deles as redes do vínculo seguro: oxitocina, dopamina e serotonina.
Eles associam a relação à segurança, não à cobrança. Ao cuidado, não à pressão.
E a segurança emocional é a base de qualquer amor duradouro.
3. Modelar a inteligência emocional para os filhos
Quando os filhos veem o casal a enfrentar momentos difíceis com empatia, regulação e apoio mútuo, aprendem, inconscientemente, a construir relações saudáveis. A forma como os pais se relacionam torna-se o modelo interno de relação amorosa que os filhos irão reproduzir.
4. Alinhar o casal com um propósito partilhado
Quando apoiamos os sonhos deles de forma ativa e consciente, sem nos anularmos, estamos a transformar o sonho num projeto comum, do casal. Isso dá sentido à relação. Une. Funde. Cria cumplicidade.
“Quando tu sobes ao palco, é como se uma parte de mim subisse contigo.”
Este tipo de linguagem fortalece a identidade do casal como uma equipa, um todo.
5. Criar um espaço relacional seguro para a vulnerabilidades
No desporto, há cansaço, frustração, falhar e desistir ‘não são opções’. Quando acolhemos sem julgamento, aplicando os princípios da comunicação com neurolinguística, tornamo-nos a zona segura deles. E todos precisamos de um lugar onde possamos tirar a armadura. Afinal, as relações verdadeiras não se constroem na performance, mas na vulnerabilidade partilhada com confiança.
6. Nutrir o amor maduro, onde ninguém precisa ser tudo, mas ambos são tudo o que importa
Este apoio emocional, generativo e presente não é servil nem passivo. É intencional. É forte. É a expressão mais elevada do feminino, aquela que permite ao casal crescer além dos papéis tradicionais, criando uma relação onde ambos podem brilhar sem diminuir o outro.
Resumindo, estas relações (à semelhança do que deveria acontecer em todas!) são nutridas por uma comunicação consciente, a regulação emocional de ambos, a escuta ativa e a cocriação de uma relação onde os dois podem crescer, sem que um precise de desaparecer para o outro brilhar.
Talvez seja para si que me lê, ou outra mulher que conhece, que também acolhe e nutre tanto sem perder a voz, que apoia sem deixar de existir. Esta crónica é para todas nós, que continuamos a co-construir vitórias, mesmo quando o mundo não vê. Que encontremos sempre coragem para nos reconhecer, apoiar e elevar umas às outras.
P.S. - Nesta crónica, falo a partir da realidade que conheço e vivo pessoalmente: relações heteronormativas, em que a mulher caminha ao lado de um atleta de alta competição (militar fuzileiro). É nesse contexto que mergulho como mulher, como comunicadora e como profissional do jornalismo e da neurolinguística. Naturalmente, existem muitas outras formas de amor e estruturas familiares igualmente válidas e dignas de reflexão. Não pretendo representar todas aqui, apenas partilhar, com respeito e consciência, a experiência concreta de milhares de mulheres que vivem esta dinâmica tantas vezes invisível, mas profundamente presente.