DNOTICIAS.PT
Crónicas

O bom, o mau e o ruído

Em 1972, a partir do exílio em Paris, Mário Soares escreveu que só é vencido quem desiste de lutar. Em 2025, a mesma frase, seria repetida por dois outros líderes socialistas. Pedro Nuno Santos, pressionado pelos resultados eleitorais, usou-a para suavizar a sua saída da liderança do PS. Paulo Cafôfo, apesar dos resultados eleitorais, usou-a para justificar a sua permanência na presidência dos socialistas. A mesma frase, dita na mesma noite eleitoral, por presidentes do mesmo partido, serviu, a um, para sair com dignidade e, a outro, para perdê-la. Fosse vivo, talvez explicasse Mário Soares que só é vencido quem desiste ou quem insiste em ficar a todo o custo.

O bom: Aliança Democrática

Indiscutível e concludente. É difícil não concordar com os adjetivos escolhidos por Miguel Albuquerque para classificar a vitória da AD na Madeira. Ganhou em todos os concelhos, conquistou a esmagadora maioria das freguesias e cresceu em número de votos. A AD conseguiu cá, o que Montenegro não foi capaz de atingir no resto do país - uma vitória inquestionável. Talvez não fosse exigível, ou sequer expectável, que a AD saísse da noite eleitoral nacional com o conforto de uma maioria conclusiva. Aliás, em boa verdade, PSD e CDS até cresceram em quase todos os concelhos do país, somaram mais votos e acrescentaram mais deputados à eleição de 2024. Ainda assim, a história da noite e dos dias que se seguiram – para além da vitória de Ventura – foi o labirinto negocial que Montenegro terá de percorrer para governar. A governação no fio da navalha, ora encostada ao PS e ao papão do bloco central, ora dependente do Chega e a pisar a linha vermelha do “não é não”, promete ser a sina do próximo governo, pelo menos até à mudança de inquilino em Belém. Perante esse abismo, não restam muitos caminhos a Montenegro. Repete a solução praticada noutros países europeus e assenta a sua governação num acordo ao centro, contando, para isso, com o beneplácito da nova liderança socialista e enquanto o PS não se volta a erguer. Ou entrega-se nas mãos de André Ventura, explica que, afinal, “o não, por vezes é sim” e joga tudo na estratégia de vincular o Chega à governação e ao peso – que até hoje Ventura nunca teve – de ter que decidir. Se o malabarismo se revelar impossível, resta reconhecer que a democracia também é a liberdade de devolver a palavra aos eleitores e repetir tudo outra vez em 2026.

O mau: Partido Socialista

Começam a faltar as palavras para qualificar a sucessão de hecatombes eleitorais do PS na Madeira, sem a assunção de qualquer responsabilidade política por Paulo Cafôfo. Chega a ser confrangedor assistir a mais uma reação do presidente do PS à noite eleitoral, onde tudo serve para explicar a derrota e justificar a sua continuidade. Desta feita, até a crise dos socialistas em França e na Alemanha serviu de bengala, como se o insucesso do PS na Madeira tivesse origem nas urnas de Paris ou Berlim. Tudo se torna ainda mais evidente, quando se compara Cafôfo a Pedro Nuno Santos. É certo que Pedro Nuno teve a clarividência de saber quando sair, mas isso não lhe apaga todos os erros cometidos. E não foram poucos. A indecisão sobre se o PS viabilizaria o governo da AD ou se obrigaria o PSD e o CDS a procurar soluções à sua direita. A cedência ao discurso populista, elevando a credibilidade de Montenegro a grande tema de campanha. E a incapacidade de antecipar que seria o PS a pagar o preço de umas eleições que muito poucos queriam. Foi esta sucessão de equívocos políticos, pontuada por uma liderança errática, que precipitou a derrota histórica do PS. Mas nem tudo é culpa de Pedro Nuno Santos. Este também é o legado de António Costa que preferiu sempre insuflar o Chega e Ventura do que reformar com o PSD e Rui Rio. Agora, aos socialistas, restam poucas alternativas a viabilizar o Governo e garantir um Orçamento, pelo menos, até 2026. E não é o PS que está em causa. É o próprio regime.

O ruído: Chega

Durante anos, a política portuguesa viveu coreografada entre dois protagonistas. A previsível dança da governação à vez, alternada entre PS e PSD, fazia-se e bastava-se ao centro. Em 2015, Costa desafiou o compasso estabelecido e abriu o palco à sua esquerda. Em 2025, Ventura invadiu o palco e fez ruir o que restava da velha e periclitante coreografia. Mas como é que um partido etnonacionalista, xenófobo e ultraconservador convence 1.3 milhões de portugueses? Comecemos pelos eleitores. É tentador, talvez até conveniente, reduzir todos os que votaram no Chega a perigosos neonazis ou a abomináveis fascistas. Certamente existirão. Creio, no entanto, que serão uma minoria. A maior parte são pessoas sem especial afinidade ideológica com o Chega, mas cujo cansaço com o discurso político e descrédito nas lideranças partidárias leva à procura de soluções simples e sonantes. O voto no Chega tem pouca motivação ideológica. Basta relembrar a transferência de milhares de eleitores do PCP para o partido de Ventura. Mas é, acima de tudo, um voto de profundo desencanto com o regime. Um sinal claro disso é o colapso da esquerda parlamentar nas últimas eleições - durante décadas foi monopolista da justiça social, mas nunca a traduziu numa resposta concreta às pessoas. Ventura não tem soluções, mas faz ruído. Muito ruído. E isso, num país cansado da política, é suficiente. Não foi o Chega que ganhou, foram todos os outros partidos que falharam.