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A nova Saúde em Portugal (III)

Ir ao fundo significa construir uma autoestrada nova, aproveitando todo o saber que os anos foram acrescentando ao conhecimento. A criação das Unidades Locais de Saúde é um passo importante, mas nasceu um pouco como um tapa buracos, nasceu com uma perspectiva errada:

uma ULS actual é – um hospital com uma série de centros de saúde à volta.

uma ULS deveria ser – um conjunto de centros de saúde que têm um hospital para onde referenciam os doentes que necessitam de cuidados mais diferenciados.

Isto é, o foco tem de estar nos Centros de Saúde, onde são, ou deveriam ser, triados mais de 80% dos pacientes, e não no hospital para onde são referenciados.

As autoestradas começam pelo trajecto escolhido e planeado e só depois é que se vão definir onde localizar as estações de serviço.

Enquanto o Serviço Nacional de Saúde, tal como o conhecemos for uma hospitalocracia e um terreno fértil de reivindicações políticas corporativas, não haverá um verdadeiro espírito de Serviço Público, logo não haverá um verdadeiro Serviço Nacional de Saúde.

Mudam-se os tempos mudam-se as vontades, e sem mudanças estruturais de paradigmas, dificilmente teremos um Serviço Nacional. Continuaremos a ter uma manta de retalhos de muitos serviços locais, enredados em várias e complexas teias de interesses reivindicativos, campo fértil para a política barata e populista que se tem visto ao longo dos anos da existência do SNS.

Há que ter coragem na mudança necessária para que seja da base que se parte para o topo, tal como preconizava Maslow. Sem a garantia de que as necessidades básicas estão asseguradas, nenhum recém-nascido terá a garantia de que a sua Saúde será a qualidade que todos almejamos nem a excelência que o País tem a obrigação de providenciar.

Já escrevi acima que o SNS foi uma manta de retalhos na sua génese (também já referi ter sido necessário ser assim!), sem um fio condutor ou filosofia comum.

Foi, é, e continua a ser cada um por si, cada centro de saúde e cada hospital a reger-se de acordo com as suas próprias orientações internas, resolvidas por administradores mais preocupados com o tacho do que com a eficiência de um Serviço Global.

Os governos entretanto, entretêm-se com medidas de cosmética financeira e novos Planos de Emergência, criando Comissões para se poderem gizar outros novos planos sempre que há uma agudização da patologia crónica, prometendo aumentos de salários base a quem trabalhar em regime de dedicação plena e outras “regalias” similares para ver se estanca a saída de jovens médicos recém especialistas para o sector privado que se mostra mais atraente em termos remuneratórios, com ambos, governo e médicos, a esquecerem que estes só são especialistas porque fizeram obrigatoriamente os seus internatos de especialidade em hospitais públicos, e assim será pelo menos enquanto forem estes os hospitais reconhecidos para esse fim.

O senhor Primeiro Ministro lançou uma ideia (que não é nova nem original): são necessárias mais Escolas de Medicina para jorrarem fornadas de jovens Médicos no Sistema como panaceia para os défices crónicos, agudizados em épocas de férias ou em épocas de exacerbação de procura devido às patologias sazonais. Mais uma vez se nota a falta de um olhar semiológico para se poder chegar a um diagnóstico correcto. Se olharmos para uma razão de uma Faculdade de Medicina por cada milhão de habitantes, concluímos que o País já não está tão mal como isso. A base de uma boa Escola de Medicina está na qualidade de investigação que produz e, a ajuizar pelos investimentos nesta área, vemos que esta é uma ideia votada ao fracasso. Teremos escolas de 1.ª e escolas de 2.ª , uma péssima solução para o desenvolvimento dos jovens estudantes.

Só com uma refundação filosófica e estrutural profunda, de uma visão semiológica abrangente em relação ao País poderemos assegurar um SNS eficiente em todo o território nacional.

Haja coragem de agir!

E há tanto por fazer. Menos planos (independentemente do mérito que um plano de emergência possa ter, e tem-no certamente, mas não passa de uma medida de cosmética política destinada a um demonstrar que se está a fazer alguma coisa a mais do que os que lá estiveram e não fizeram) e mais acção é o que se pede a quem quer deixar a sua pegada na História do País.

Como soe dizer-se, o que nasce torto tarde ou nunca se endireita, mas também se diz que mais vale tarde do que nunca e que nunca é tarde para aprender.

Podemos, devemos, sabemos, fazer melhor.

Mas, para isso, é indispensável mudar paradigmas e mentalidades, a começar pelas dos responsáveis políticos.

O País agradece!