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Desporto

O dia em que três sportinguistas foram descalços até ao Terreiro da Luta

Anterior jejum, que perdurou 18 anos, foi efusivamente festejado pelos adeptos leoninos, em especial por três madeirenses, que a 18 de Maio de 2000 decidiram cumprir a promessa apalavrada caso o Sporting se tornasse campeão: sair da baixa do Funchal e seguir rumo ao Terreiro da Luta... descalços. Ainda se lembra desta história?

Dezanove anos depois, o Sporting está a um passo de se sagrar campeão nacional de futebol. O DIÁRIO foi falar com um dos mais efusivos adeptos leoninos, que é também dono da maior colecção de cachecóis de futebol. Ricardo Sousa diz que já está a ser apalavrada uma volta à ilha entre os sportinguistas a viver na Madeira, mas desta vez com sapatilhas.

No último jejum, o Sporting levou 18 anos a reerguer o mais importante troféu do futebol português. Foi a 14 de Maio de 2000 que Augusto Inácio guiou os leões a uma conquista que apenas foi selada na última jornada do campeonato, frente ao Salgueiros (0-4). Quatro dias depois de levantar o ceptro, três madeirenses cumpriam uma promessa apalavrada duas semanas antes, no Aeroporto da Madeira, quando foram receber os 'leões' a Santa Cruz.

Carlos Correia, António Alberto e Ricardo Sousa levantaram-se da cama a 18 de Maio para descalçar os sapatos na baixa do Funchal e caminhar até ao Terreiro da Luta, no Monte, com a sola dos pés a tocar em cerca de 20 quilómetros de calçada e alcatrão.

"Foi uma promessa que fizemos no aeroporto. Lembro-me de chegar a meio caminho e já não poder mais, mas aquele orgulho de ser do Sporting… fez-nos chegar lá em cima", recorda Ricardo Sousa, o homem que possui a maior colecção de cachecóis de futebol do Mundo, expostos no restaurante 'O Avô', espaço bem próximo das Portas da Cidade.

Deu na cabeça. Foi uma coisa instintiva. Depois de ser notícia todas as pessoas começaram a me ligar e a telefonar para saber se era mesmo verdade (...) Enquanto subíamos estava gente no caminho a dar sandes de carne de vinha d´alhos, bebidas… parecia um arraial. Levámos cerca de quatro horas a chegar ao Terreiro da Luta (…) Quando chegámos ao Funchal os nossos pés ardiam por todo o lado. Ricardo Sousa

À chegada, uma senhora com 78 anos, natural da Ponta do Pargo, disse para Ricardo Sousa aquecer azeite e colocar nos pés. “A mulher era sportinguista e trabalhava no duro. Foi o que eu fiz e no dia a seguir parecia que não tinha tido nada”, relata o sportinguista.

Ricardo recebeu-nos esta segunda-feira no seu estabelecimento. Envergava uma camisola do NEC, clube holandês que hoje milita num escalão equivalente à II Divisão, em Portugal. Ainda sem cantar vitória pelo seu clube de coração, o madeirense de 51 anos nascido em África do Sul pode mexer nos seus mais de 2.000 cachecóis, menos um: o do Sporting.

Assim dita a tradição do seu clube italiano, a Lazio, em que apenas se mexe no cachecol alusivo à conquista de um determinado campeonato quando o título for renovado. Aliás, para além de África do Sul e Argentina, Ricardo Sousa viveu em Itália e foi daí que 'bebeu' grande parte do seu fanatismo pelo futebol. À Madeira chega 'apenas' em 1995, na companhia dos seus pais, madeirenses de gema.

Casa do Sporting na Madeira? Não há

A casa do Sporting deixou de existir porque segundo Ricardo Sousa, também ele ex-chefe do núcleo da Juventude Leonina nas ilhas, a casa de cada adepto "é a casa do Sporting".

"Assim acabava a ideia de que ganhava dinheiro com aquilo e que tinha algum proveito pessoal. Cada casa tem a sua bandeira, o seu cachecol, os seus foguetes para festejar e o seu leão. Depois, esta ideia aqui foi um muito importante, tanto para a Madeira, como para o futebol mundial, por mostrar que mesmo em casa conseguimos mostrar a nossa fé pelo Sporting. Acabamos com aquela ideia de ter um lugar para ver a bola. A bola vemos em casa com a família e cada um segue e luta pelo seu clube", constatou.

E afinal, para este sportinguista o que é ser um bom adepto? “É qualquer adepto de um clube. Nos bons e nos maus momentos. Um bom adepto é aquele que vai ver um jogo de futebol, e que perca ou ganhe, ou até mesmo desça de divisão, continua a ser aquele o seu clube”.

Ainda no seu ponto de vista, “de certeza absoluta que vai haver sportinguistas que estiveram desaparecidos e vão agora aparecer” ao contrário de si. “Sempre tive orgulho em ser do Sporting”, vinca.

Nunca esperei, nem ninguém esperava que o Sporting fosse campeão. Quando o Jorge Jesus veio para o Benfica eu achei que iria ser campeão, porque parecia estar muito mais forte e tinha muito mais dinheiro, mas aprendi uma coisa com um dos treinadores que passaram pela Lazio. Não é com nomes, nem é com dinheiro que se faz um balneário. Foi isso que o Rúben Amorim fez. Ricardo Sousa

No final da agradável conversa, uma observação em jeito de apelo. "Se Deus quiser vamos fazer a festa de campeões, mesmo que esta época não tenha sido fácil e embora muitos não gostem do presidente, mas apelo a todos os sportinguistas que quando formos campeões tenham cuidado com a máscara. É muito importante. E nada de confusão. Apelo muito que façam a festa em grande, mas que respeitem toda a gente". Depois, ficou uma confissão.

Não queria que o Sporting fosse campeão por causa do presidente. O que ele falou das claques não se faz. Eu sou anti-Varandas. Ele fez uma coisa que muita gente não esperava: ir buscar um treinador que muitos achavam que não ia fazer nada. São os adeptos que dão tudo pelo clube. O Bruno de Carvalho é o meu presidente até à morte. Sou sincero naquilo que eu digo. É pena ser campeão com o Varandas. Ricardo Sousa

Por isso, na óptica deste fervoroso adepto o segredo do Sporting campeão "deve-se muito ao treinador, porque fez os jogadores acreditarem", especialmente os "miúdos" que "foi buscar à Academia". Quanto aos outros "três ou quatro velhinhos", Rúben "fez com que eles se sentissem jovens".