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Habeas Corpus

O “habeas corpus” existe há muito noutros países, e permite a salvaguarda da liberdade

O pedido de “habeas corpus” feito por uma cidadã portuguesa, como modo de evitar o confinamento (num hotel, a expensas suas) a que fora obrigada em virtude de ter viajado de avião ao lado de outro passageiro que revelou, à chegada, estar positivo, não deixa de ser insólito.

O “habeas corpus” existe há muito noutros países, e permite a salvaguarda da liberdade de um cidadão face a uma detenção considerada ilegal ou excessiva; daí “habeas corps”, dêm-nos o corpo, já que a justiça seguirá os seus trâmites.

Esta figura jurídica foi reconhecida em Portugal pela Constituição de 1976, cujo artigo 32.º, n.º1 diz: “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente”.

Ora, a referida cidadã não tinha sido retida por ordem judicial, mas administrativa; nem tinha cometido o crime de desobediência, porque acatara a decisão da Delegada de Saúde.

Não parece, portanto, caso para “habeas corpus”, mas sim para a anulação de uma ordem administrativa.

Por outro lado, foi confirmado que o confinamento não fora validado por decisão judicial.

De onde se poderia concluir que, aplicando o conceito da obrigatoriedade do recurso à via judicial para o confinamento do comum dos cidadãos, por representar privação de liberdade, todas as normas desse confinamento seriam ilegais, a não ser que validadas por entidade judicial competente, e caso contrário consideradas nulas.

O que levaria a que todas as ordens de confinamento anteriores teriam de ser anuladas e as posteriores de ser apresentadas à Justiça, com as habituais e morosas diligências. O resultado prático deste procedimento seria ter uma situação em Portugal semelhante à do Brasil ou dos Estados Unidos.

Deixando as questões jurídicas a quem de direito, cabe aqui recordar coisas antigas.

Há muitos, muitos anos, nos tempos da minha meninice, um passageiro oriundo do Paquistão desembarcou na Inglaterra, dirigiu-se a Londres, sentiu-se doente e foi para o hospital, onde faleceu. Causa da morte: varíola.

Dispararam todos os alarmes. Não em Portugal, onde a vacina contra a varíola era obrigatória, mas na Inglaterra, onde tinha deixado de ser.

Face a esta negligência, ou excesso de confiança, o Governo de Sua Magestade decretou que ninguém, nem mesmo os súbditos britânicos, poderia pisar solo do Reino Unido sem estar devidamente vacinado.

De onde aquela minha nebulosa memória de filas de ingleses, a quem foi dada prioridade para serem vacinados e poder voltar para casa.

Ou seja, a História repete-se.

Só que ninguém aprende...

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