Escola Secundária Jaime Moniz (Atribuição: PESP / Wikimedia CC-BY-SA 4.0)
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Margarida Morna (1929-2011) - Escola Secundária Jaime Moniz

Tinha genuíno prazer em ensinar, e amava todas as línguas com que trabalhava. No Português destacava-se Camões por quem tinha uma paixão, e a leitura expressiva que fazia das estrofes de Os Lusíadas ainda ecoam em memórias que reproduzem versos de cor, tentando pôr na voz o calor que ela punha.

De seu nome completo Margarida Maria de S. Gil Morna Rodrigues do Nascimento nasceu no Funchal em 1929, de pai comerciante e ligado ao desporto e mãe professora. Estudou no então Liceu do Funchal, de onde partiu para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa para estudar Filologia Clássica, curso que terminou em 1952, logo seguido de um outro, agora em Ciências Pedagógicas, indispensável a quem pretendia ser professor.

Testemunhos de familiares próximos descrevem-na ainda muito jovem como séria, atenta, estudiosa, que não dançava,  muito dedicada a um universo intelectual que a levou a ser não muito dada a brincadeiras infantis ou juvenis e a revelar um amadurecimento bastante precoce.

Esse seu lado estudioso acompanhou-a sempre, e mesmo quando, já reformada, deu uma entrevista a 7 de dezembro de 2007, ao jornal online O Liceu, ainda afirmava: “Haja o que houver, julgo que o professor jamais deverá abandonar o seu estudo permanente para preparação das aulas”.

Fez estágio pedagógico no Liceu Pedro Nunes no início dos anos cinquenta, após o que regressou ao Funchal onde se tornou professora de Português, Latim e Grego Clássico, rapidamente se distinguindo por uma abordagem inédita à prática docente.

Em tempos em que nem sequer se ouvia falar de audiovisuais nas aulas, levou uma turma de 4º ano de liceu (atual 8º) à Rua da Carreira, a um estabelecimento de equipamentos de som, para que as alunas pudessem ouvir A Menina do Mar, de Sophia de Breyner Andresen. A experiência foi marcante e hoje ainda muitas das meninas que a viveram se recordam do impacto.

Noutros casos, quando a turma era pequena (e as turmas de grego eram sempre pequenas), ia dar as aulas ao ar livre, junto ao laguinho do liceu, noutra manifestação de da inovação que praticava.

Tinha uma forma muito peculiar de ensinar, que a tornou inesquecível para muitos, e que leva a que seja para alguns considerada “A Professora” da sua vida. E as vidas escolares têm muitos professores…

Tinha genuíno prazer em ensinar, e amava todas as línguas com que trabalhava. No Português destacava-se Camões por quem tinha uma paixão, e a leitura expressiva que fazia das estrofes de Os Lusíadas ainda ecoam em memórias que reproduzem versos de cor, tentando pôr na voz o calor que ela punha. Outros evocam a “sensorialidade” com que lia Cesário Verde, chamando a atenção para a “cor local” dos poemas e transformando aqueles momentos numa experiência multissensorial: era ouvir e ver ao mesmo tempo.

Em Latim, testemunhei o gosto pela musicalidade das frases, o saborear das palavras como se fossem rebuçados. Lia uma frase de um autor e chamava-nos a atenção para a elegância da forma, e para melhor se perceber dizia uma frase semelhante mas com outras palavras. E perguntava: Estão a ver, estão a ver a diferença? Este despertar para a beleza da forma de dizer, esta fruição particular da escrita, aprendi-o com ela, e conservo-o comigo.

Era também uma professora rigorosa, que apreciava nos alunos a entrega à aprendizagem, e era este o critério que usava para os distinguir uns dos outros. Quando ensinava uma estrutura da língua que fosse fundamental para o futuro dizia-nos: têm quinze dias para saberem isto a dormir. Se não conseguirem nem vale a pena voltar.

Era implacável com o mau uso da língua, e feriam-lhe os ouvidos as palavras mal pronunciadas. Contava muitas vezes a história de um indivíduo que lhe fora bater à porta para vender serviços de telecomunicações e que, no entusiasmo da conversa, também oferecia produtos “gratuítos”. O incómodo foi tanto que escreveu para a chefia da empresa em questão a chamar a atenção que empresas que se prezem têm de ter empregados que falem como se deve. Situação análoga aconteceu uma tarde em que foi ao Reid’s lanchar com umas amigas e o empregado lhes perguntou se queriam “chicolate”. No dia seguinte não se calava com o assunto, exclamando: aquilo é um hotel de cinco estrelas, por amor de Deus!

Mas tinha um outro lado amigo e solidário. Acompanhava alunos seus em atividades que não pertenciam à sua disciplina pelo prazer de os ver atuar em cenários alternativos, celebrando com eles esses momentos, e anos depois de terem sido seus alunos ainda lhes telefonava para casa a dar-lhes boas notícias de que tinha conhecimento em primeira mão: Parabéns, saíste-te muito bem no teu exame de … qualquer coisa, e tiveste uma excelente nota.

 Lembrava-se da cara e do nome de alunos que tinham sido seus no 1º ano do liceu, e muitos anos mais tarde cumprimentava-os pelo nome, o que, como sabe qualquer professor, não é fácil, sobretudo com crianças ainda muito novas que por vezes se transformam bastante quando crescem.

Em paralelo com a atividade docente foi também presidente do Centro Académico Feminino, local de convívio de grupos de raparigas onde se frequentavam clubes de leitura, se fomentava a discussão de assuntos variados e se ouvia música. No verão, organizava atividades de férias na Camacha, com a duração de uma semana para cada grupo de alunas que levava e com quem permanecia, acompanhada do Padre Vidal e outras colegas.

 Em 1980 foi chamada ao desempenho de um cargo na estrutura do governo, tornando-se Diretora Regional da Educação por um período de dez anos, o que fazia em simultâneo com atividades que já trazia de trás: a colaboração em periódicos locais, nomeadamente em A Canoa suplemento infantil do Eco do Funchal.

A 10 de junho de 2011 recebeu das mãos do Representante da República na Madeira a merecida comenda da Instrução Pública, por uma vida dedicada ao ensino, e essa dedicação aparece muito clara na resposta que deu à pergunta sobre o significado do Liceu no já referido jornal online: o Liceu é a minha vida.

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