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Canibalizados

Os sistemas democráticos carecem de uma oposição digna desse nome, sob pena do desvirtuamento da própria democracia. Mas quem governa e tendo recebido o mandato popular, tem de “governar” e cumprir aquilo com que se comprometeu, respondendo aos desafios imprevistos do devir.

Não é função do governo se preocupar com a espessura da qualidade da oposição. Contudo uma oposição de qualidade apura a governação, e enriquece a dialéctica política.

Por mais paradoxal que possa parecer – até pela reconfiguração parlamentar saída das eleições regionais do ano passado – tendo a oposição desfeito a aritmética da maioria absoluta monocolor, forçando uma aliança natural de direita, aquilo que resta das restantes bancadas parlamentares que são “oposição”, é de uma qualidade confrangedora, desde logo encimada pelo Partido Socialista que tem um novo líder sem rodagem de militante, mas que averbou no ano passado três derrotas eleitorais apesar de toda a mordomia colocada à disposição por Lisboa, num triciclo com rodinhas laterais e um parque de assistência de luxo. Esta orquestração mediática bancada por Lisboa, fez tomar de assalto a estrutura regional do partido cilindrando antigos militantes, e fazendo do recente ex-presidente-fantoche, a barriga-de-aluguer perfeita, para que um envergonhado hospedeiro em modo de “estrela cadente”, devorasse a estrutura por dentro, cumprindo reverencialmente, as ordens emanadas do Largo do Rato entre murros e amuos teatralizados no guião de quem o banca. Num tempo particularmente difícil da vida de todos nós, não podemos contar com uma oposição concentrada nos problemas da região e nos anseios adiados da nossa população, pois os seus novos líderes comandados à distância, trilham apenas as ordens dos seus amos do outro lado do mar, a quem dedicam canina fidelidade de cauda escondida entre as pernas. Não têm sobressalto autonomista nem ideias próprias. Corre-lhes nas veias, sangue de colono cabisbaixo, subserviente, raiando a traição das pulsões destes portugueses insulares que vêm sempre as suas legítimas aspirações adiadas. No recente congresso empapado em rica propaganda em todos os jornais e por vários dias, a coroação do novo líder foi apadrinhada por presidente da “agremiação nacional” socialista que é um recordista em arranjar tachos familiares. Até porque António Costa nem se dignou a cá vir. Costa exerceu uma cerca sanitária com o delfim derrotado permitindo-lhe uma conversa naquele intervalo em que se vai aos sanitários, em modo de balcão de taberneiro e de pé, como aquela “cena estadista” que ocorreu na recente conferência do PS em Coimbra captada com muito “zoom”. Lisboa comanda a agenda socialista da Madeira apenas em proveito próprio e dos ressabiados apetites da negada conquista rosa da “alaranjada” ilha do PSD. Agora têm caminho livre, pois possuem uns autómatos fidedignos, onde basta ligarem e desligarem uns botões em Lisboa. O Estado central despreza as autonomias regionais tal como a cúpula socialista anulou a autonomia da estrutura regional do partido. Está tudo à mostra. O maior partido da oposição regional sucumbiu a Lisboa, e quer fazer com todos os portugueses da Madeira e Porto Santo, aquilo que o PS nacional fez aos socialistas na região. Aquele punho cerrado canibalizou-se em si mesmo e metamorfoseou-se num inerte coto. Só podemos contar connosco. Até porque o mais alto magistrado da Nação que deveria moderar, equilibrar as pulsões políticas, e garantir o normal funcionamento das instituições, ainda não sendo candidato, está em “modo eleitoral” pairando superiormente até ao limite, mantendo o elefante completamente dopado dentro da pequena sala das porcelanas.

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