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Compreensão das ‘fake news’ é essencial para proteger jornalismo e democracia

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O jornalista e docente universitário João Paulo Meneses defende, num texto publicado pelo Observatório da Comunicação (OberCom), a urgência da conceptualização das denominadas ‘fake news’ para evitar “riscos desnecessários” para o jornalismo e liberdade de expressão.

“Até pode ser que utilizar a expressão ‘fake news’ seja ‘impreciso para retratar o fenómeno mais amplo da desinformação’ [...], mas existe a convicção da nossa parte de que, em face das múltiplas tentativas dos poderes políticos em tentar criminalizar o fenómeno, é urgente consensualizar uma conceptualização. Só assim se saberá o que pode ser legislado e, sobretudo, o que não pode ou não deve ser”, sustenta João Paulo Meneses no texto “Sobre a Necessidade de conceptualizar o fenómeno das ‘fake news’”.

Para o jornalista, a indefinição em torno do que são ‘fake news’ e a sua confusão, por exemplo, com ‘false news’, pode “criar riscos desnecessários para o jornalismo e para a liberdade de expressão em abstrato”.

Apontando “as ‘fake news’ como uma ameaça às democracias e ao jornalismo”, sendo por isso “preciso combatê-las”, Meneses defende a importância de “separar duas realidades (jornalismo e ‘fake news’) e combater a desinformação organizada”.

“Ao propormos uma tentativa de caracterização que nos parece clara pensamos estar a dar esse contributo: num cenário de hipotética criminalização do fenómeno, a chave do problema estará sempre na avaliação do ‘deliberadamente falso’. No limite, qualquer investigação policial ou judicial terá de apurar os factos respeitantes a esse critério. Finalmente, trabalhar o conceito pode permitir que o jornalismo saia beneficiado deste ecossistema”, refere.

No texto publicado pelo OberCom, Meneses apresenta as ‘fake news’ como um “fenómeno recente, mas altamente volátil”, cujos “equívocos podem ser altamente nocivos para o jornalismo e para a liberdade de expressão em geral, sobretudo se as leis que já foram criadas -- mas sobretudo as que estão para vir -- não delimitarem bem o objeto que visam”.

Neste contexto, o jornalista -- que tem um percurso de 25 anos na rádio TSF -- propõe como conceptualização da expressão ‘fake news’ a de “um documento deliberadamente falso, publicado ‘online’, com o objetivo de manipular os consumidores”.

João Paulo Meneses justifica a opção pela palavra “documento” e não apenas “texto” dado o frequente recurso a “ferramentas complementares do texto (vídeo e/ou foto)”, mas também porque “o texto em certos casos já se torna irrelevante”, e explica que a expressão “’deliberadamente falso’ significa que, pelo menos parcialmente, quem o elabora sabe que é mentira” e “só o elabora porque é mentira”.

“Só existe porque é falso. Pode é não ser totalmente falso, uma vez que uma das técnicas usadas para credibilizar as ‘fake news’, e assim atingir mais consumidores, é misturar elementos reais (nomes, locais, factos anteriores, fotos, etc.) com mentiras. Rumores e boatos sempre existiram, mas raramente eram dignificados pelo jornalismo. Rumores e boatos aparecem hoje, lado a lado com as verdadeiras notícias, nos nossos ‘feeds’ das redes sociais”, sustenta.

De acordo com o jornalista e docente de comunicação, “é a Internet que cria as ‘fake news’”, seja pela “facilidade de publicação”, seja pela “desregulação”, pela “abundância de informações”, pela “facilidade de confundir verdadeiro e falso” (através da manipulação de uma foto ou vídeo) ou pela “facilidade de obter retorno financeiro com publicidade”.

Contudo, esclarece, “não é o facto de as ‘fake news’ serem difundidas pelas redes sociais que vai determinar o conceito, mas antes serem publicadas ‘online’ (numa rede social, num blogue ou numa página de ‘notícia’)”.

Em resumo, o autor completa a conceptualização do fenómeno das ‘fake news’ como sendo “um documento (texto, foto e/ou vídeo, com a possibilidade de usar vários recursos, em simultâneo), deliberadamente falso (parcial ou totalmente), publicado online e espalhado pelas redes sociais, com o objetivo claro de manipular os consumidores”.

E, conclui, “até pode vir das redes sociais a grande ajuda para uma ‘vitória’ do jornalismo”, já que, “pressionadas pelos processos judiciais relacionados com ‘fake news’, as empresas que gerem as redes sociais estão cada vez mais apostadas em resolver o problema”.