Crónicas

Vergonha

1. Livro: o austríaco e Nobel da Literatura, Peter Handke escreveu “A Angústia do Guarda-Redes antes do Penalty”, uma fantástica obra inquietante e estranha ao mesmo tempo. A ansiedade, os nervos, a tensão de quem tem que decidir, porque nem tudo são factos. “Para que lado vai rematar o adversário”, “que força vai aplicar no remate”, “o que pensa que estou a pensar”, são tudo questões que passam pela cabeça de um guarda-redes antes do penalty. Uma metáfora da vida, numa leitura deliciosamente incomum.

2. Disco: “Everything Else Has Gone Wrong” dos Bombay Bicycle Club acaba de sair. Em 2014, ficou-se com a ideia que, depois do Tour mundial desse ano, ia cada um para o seu lado. Em boa hora decidiram voltar e presentear-nos com este novo trabalho. Um resultado de excelente apuro sonoro.

3. Farto. Um parlamento fresquinho, eleito há dois pares de meses, já todo escavacado. Eu, que não votei em nada do que lá anda, tenho vergonha alheia. Vergonha alheia por quem foi enganado e elegeu aquilo.

É isto que dá mau nome à política. É isto que leva ao alheamento da gestão dos assuntos que a todos dizem respeito. Farto disto. Deviam ter vergonha. Temos de exigir que tenham vergonha.

É o deputado que diz que grava conversas privadas e que as revela, é o outro que demora 24 horas para negar que tenha tido essas conversas e o primeiro que pede listas de telefonemas da operadora.

E se fossem dar uma volta ao bilhar grande? As pessoas não percebem que nos andam a gozar na nossa cara?!

Já não há paciência para aturar esta gente sem princípios, sem escrúpulos. Isto não é política, isto não tem nada a ver com boa governança. Se não sabem o que ali andam a fazer, demitam-se. Vão para casa.

É por isso que não dou nada em política, porque penso que esta deve ser uma coisa séria. Feita por gente séria. A seriedade e a política têm de andar de mãos dadas.

Isto, é um vale tudo. Criam-se orgânicas de governo em cima do joelho de modo a alimentar clientelas, a engordar serventias. Deixam que surjam crises internas, que não têm nada a ver com o que se pode fazer para melhorar a vida de todos, mas porque uma das partes não cumpriu com a outra, nomeando o que se tinha comprometido a nomear.

Vergonha!

4. Na casa maior da nossa democracia, que devia ser um exemplo de ética e moral, há quem ameace revelar conversas que têm de ser privadas. Como se isso fosse normal e cordial. Como é que, a partir daqui, pode haver alguém que queira ter conversas com o Sr. Fonseca e fale à vontade? Ele, que é o líder parlamentar do CDS. Como se isso fosse coisa pouca.

Alguma vez uma pessoa que queira viver com as costas bem direitas faria este género de ameaças?! Por uma questão de educação e de formação, nunca por nunca, revelaria uma conversa como a revelada, ainda por cima feita na privacidade de dois telemóveis pessoais.

Vivemos um tempo de “vale tudo”.

5. Entre outras coisas, tenho da política a arte da negociação, da cedência, da procura do melhor para todos. Até podem rebolar pelo chão e tentar convencer-me de que são o supra-sumo da sabedoria e do conhecimento que o não vão conseguir. Há sempre formas de melhorar. Não creio em super-homens e é sempre possível que haja alguém que tenha uma ideia melhor do que a nossa.

Vão desculpar-me, mas eu não acredito que, em 229 propostas da oposição, só uma tenha valor para os que “pseudo-tudo sabem”, os cúmulos da sabedoria, os homens superiores da situação. Não acredito que só, num lugar escuso da arengada de um Orçamento que não traz nada de novo, tenha sido possível encontrar uma coisa que suplantasse tão rica teia de ideias e concretizações.

O resultado desta votação, onde prevaleceu a sabedoria suprema de quem tudo sabe, é demonstrativa do sistema político que temos, apoiado nos interesses pessoais e de grupo, sem noção de qualquer tipo de exercício de cidadania consciente, nulo de competência e de capacidade de reconhecer no outro, entidade com valor. Tenho a certeza de que há deputados, que hoje votaram a favor do OR, que nem se deram ao trabalho de o ler.

Que as refeições fornecidas em catering à Assembleia, contratualização recente da Presidência, estejam pejadas de “sal, açúcar e ácidos”, são os meus sinceros desejos.

Amém ao PPD-CDSD.

6. O grupinho parlamentar sidecar, do CDS, não é só um bandinho liderado por um bufo que acusa e que não prova. Depois de anos a se queixarem de práticas absurdas de poder, mostram que aprenderam a lição em três tempos. Gente inqualificável, que se vende por trinta soldos e que representa um partido onde ainda tenho amigos e onde andei quase 20 anos.

7. Goste-se ou não, concorde-se ou não, tenho em Mário Pereira uma das pessoas que mais sabe de saúde na região. Ao CDS não restava alternativa, depois das indisponibilidades de outros nomes, para assumir o cargo de Director Clínico do SESARAM.

Mas Mário Pereira é, ao mesmo tempo, um “elefante em loja de porcelana”, sendo esta última representada pelos seus pares. Tenho dificuldade em acreditar que os mesmos que rejeitaram o nome de Filomena Gonçalves venham agora a aceitar o antigo deputado do CDS.

Para quem pensa que a novela acabou, isto são só cenas do próximo capítulo.

8. Estas páginas deram-nos conta do estado de enorme crise em que se encontra o sector do Bordado Madeira. Tenho para mim que este produto de excelência está fortemente ligado ao Turismo. Ao deixarmos cair o nosso paradigma de destino de exclusividade, o conceito de jóia (Pérola do Atlântico), porque o não soubemos defender como tal e como o herdamos das mãos de homens que sabiam muito disto (Ribeiro de Andrade, João Borges, António Câmara, João Carlos Abreu — enquanto pôde), porque os “patos-bravos” tomaram conta disto tudo, deixámos cair a noção de que, uma peça de Bordado Madeira certificada, é um luxo ao nível de uma mala Louis Viton, de um fato Chanel ou de um relógio Rolex. Se conseguirmos convencer as pessoas de que, este trabalho feito à mão, é único e irrepetível, temos aí um produto exclusivo de grande valor de mercado e que tem tudo para que, quem tem dinheiro, o queira para si.

9. Anda um gajo, durante anos, a pregar contra o que se passava em Angola, a cleptocracia, o ZéDu e os seus filhotes a mamar à tripa forra, a generalada sem a qual não se podiam fazer negócios no país, a influência que tinham nos assuntos de Portugal, o agachar constante dos nossos governantes aos editoriais do Jornal de Angola e, agora, tenho de levar com idiotas, que olhavam com desdém para o que eu e outros dizíamos, e ouvi-los a dizer o mesmo?

Barroso, Machete, Sócrates, Portas, Santos Silva, Amado e mais uns quantos — como ministros dos Negócios Estrangeiros — são responsáveis por uma tal de “real politik” que impedia Portugal de ter uma relação com Angola baseada na igualdade. Fomos frequentemente menorizados e aceitámos isso como se fossemos de menos.

Isabel dos Santos passeou-se, durante anos e anos, em Portugal como bem quis e entendeu. Comprou, vendeu. Teve como cúmplices nomes grados do “centrão” — PS, PSD, CDS — que tudo fizeram para travar a justiça portuguesa quando esta tentou parar com os desmandos do regime angolano em território português. É vê-los agora.

Esta gajada não mudou de opinião, esta gajada, convenientemente, porque não tem coluna vertebral, mudou de lado.

Espero que tenham o seu nome bem gravado em alguns dos 700 mil documentos dos Luanda Leaks.