Crónicas

Vão-se os anéis...

Absolutamente crucial é ter uma gestão altamente profissional, despartidarizada e transparente que funcione por objetivos no SESARAM

Diz o povo na sua sabedoria que “vão-se os anéis e ficam os dedos”, isto a propósito do bem mais precioso que temos e que é a saúde. A máxima indicia bem o quanto todos nós valorizamos uma vida saudável e, sobretudo, quanto apreciamos uma boa medicina, a tempo e horas, quando estamos debilitados e doentes.

Ora é uma evidência que os Serviços Nacional e Regional de Saúde não estão a responder às necessidades das populações e que não há soluções milagrosas, mas no caso da Madeira há duas decisões simples e sem custos que se fossem tomadas, tornariam as coisas bem mais fáceis e restabeleceriam alguma confiança das pessoas nos serviços públicos: a primeira medida é serenar os ânimos e encetar um diálogo entre responsáveis políticos e governamentais e profissionais da saúde; a segunda medida é dignificar, respeitar e valorizar quem trabalha nos serviços públicos do setor.

Obviamente que nem tudo funciona mal na Saúde da Madeira e a aposta que tem sido feita nos serviços de proteção civil e na emergência pré-hospitalar a par do empenhamento notável dos seus profissionais, tem que ser elogiada, pois, ainda agora se comprovou a sua qualidade no socorro às vítimas da tragédia com o autocarro no Caniço. O mesmo se diga da Unidade da Terapia da Dor que proporciona cuidados de referência. Mas os números sobre os serviços não prestados são alarmantes: 60 mil atos médios por praticar, sendo que 21 mil são pessoas a aguardar uma cirurgia com um tempo de espera de 1056 dias, leu bem, cerca de 3 anos; o tempo médio para uma consulta prioritária já vai nos 735 dias e por um simples exame auxiliar de diagnóstico aguardam-se muitos meses. O mais grave é que estes tempos de espera têm vindo a aumentar e não há transparência nas listas, em particular das cirurgias, isto é o doente não sabe nem tem perspetivas de quando verá a sua maleita resolvida, ao contrário do continente onde após X meses de espera o Serviço Nacional de Saúde é obrigado a emitir um vale cirurgia e o paciente escolhe o Hospital onde vai ser operado.

Apesar dos constrangimentos orçamentais, é possível reconstruir o Serviço Regional de Saúde, alterando algumas políticas e comportamentos. Desde logo é necessário voltar a centrar os serviços no utente e fazer uma aposta decisiva na prevenção. Gastamos apenas 1 por cento do investimento da Saúde em campanhas de sensibilização e informação aos cidadãos sobre os cuidados a ter com uma vida saudável e na prevenção das doenças. Temos que fazer uma aposta decisiva na ação dos médicos de família, fazendo com que cada madeirense possa beneficiar da sua ação e temos que melhorar os cuidados primários, fazendo dos Centros de Saúde a porta de entrada no Sistema de Saúde e não o Hospital, como acontece neste momento, com custos elevados para todos, como por exemplo a saturação das urgências.

Absolutamente crucial é ter uma gestão altamente profissional, despartidarizada e transparente que funcione por objetivos no SESARAM, com mais investimento, mas com uma avaliação custo-benefício das decisões que são tomadas.

Sabemos que complementaridade rima com promiscuidade, mas fiquemos apenas pela rima, pois não há que ter medo de recorrer aos serviços privados quando os serviços públicos estão esgotados, desde que isso contribua para resolver atempadamente os problemas dos doentes e todos sabemos que existem os tais 60 mil atos médicos em lista de espera na Região.

Devemos chamar a Segurança Social a assumir custos e responsabilidades que estão hoje, indevidamente, assacadas à Saúde como é o caso das 600 altas problemáticas dos nossos hospitais que poderiam ter uma solução através das ajudas às famílias, do apoio aos cuidadores informais, da construção de mais lares e do reforço da cooperação com as Instituições Particulares de Solidariedade Social.

O utente que tem direitos, tem também deveres, deve ser responsabilizado e formado, a começar pela escola, no sentido de saber quando, como e quanto custa o seu acesso aos serviços, assim como deve ser instruído para que desde jovem possa preparar a sua proteção na saúde e no processo de envelhecimento. E depois há outras duas decisões simples que trariam inúmeras vantagens ao Serviço de Saúde: respeito e diálogo dos administradores do SESARAM com todos os profissionais de saúde, incentivando o seu trabalho e motivando a sua ação e, em segundo lugar, premiar o mérito e estimular os que mais se empenham e mais produzem.

Não precisamos de inventar soluções «chave na mão», tipo compra-se já um novo Hospital enquanto não se constrói o outro, ou derramam-se milhões para resolver as listas de espera. É que o problema central está na falta de recursos humanos e na rentabilização das estruturas existentes. Aqui é que devemos atuar e já!