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Crónicas

Vai correr tudo bem!

1. Deixo-vos uma lista do que pretendo ler nos próximos quinze dias: “Vozes de Chernobyl” de Svetlana Alexievich, “Tolos, Impostores e Incendiários – Os pensadores da nova esquerda” de Roger Scruton e “O Dia Em Que A Poesia Derrotou Um Ditador” de António Skàrmeta.

2. Banda sonora para a quarentena: “I Am Not A Dog On A Chain” de Morrissey (sai no dia 20); “Hunted” de Anna Calvi (remake de algumas das suas melhores músicas); “Weather” de Huey Lewis and the News (lembram-se?); “American Standard” de James Taylor (sempre!); “Madrepérola” de Capicua (do melhor hip hop nacional); e “We’re New Again” de Gil Scott-Heron & Makaya McCraven (quem sabe um dia no Funchal Jazz).

3. Sou cidadão cumpridor. E crítico do que vejo. Por mais que ache estranho certas coisas, porque não percebo nada do assunto, não me resta outra coisa que não confiar. Confiar nas autoridades que, secundadas por especialistas, devem saber, bem melhor do que eu, o que devemos fazer em relação à pandemia do COVID-19. Não uso máscara porque não estou doente; procuro estar calmo e não entrar em receios infundados baseados em “diz que disse”; não fui a correr para o supermercado comprar grão-de-bico e papel higiénico; lavo as mãos com frequência; espirro e tusso para a parte de dentro do cotovelo; por distracção, ainda aperto as mãos que me estendem e evito andar a sarandilhar “sem quê, nem porquê”.

Não ando com um frasco de desinfectante, não alinho em oportunismos, não leio nem quero ouvir as inevitáveis teorias da conspiração, não desenvolvo filosofias baratas, não menosprezo nem gozo, não sou indiferente nem exaltado e, acima de tudo, recuso a paranóia. Com calma e sem histerismos desnecessários, adopto a máxima do sistema de saúde britânico: Keep Calm & Wash Your Hands.

4. O Governo Regional fez o que tinha de fazer. A situação é grave e mais grave seria se sentíssemos falta de liderança. Isso não aconteceu. E é bom que assim seja.

Esperemos que as medidas tomadas sejam cumpridas por todos. Será uma questão de civilidade o estarmos resguardados nas nossas casas, sempre que possível. Isto não é uma brincadeira.

Se cumprirmos tudo, estaremos a participar na solução e não a fazer parte do problema.

5. O Le Figaro trouxe, há dias, um excelente artigo sobre os diferentes tipos onde se podem, grosso modo, colocar as pessoas, em função da atitude que têm perante a pandemia de COVID-19: os paranóicos, os higienistas, os oportunistas, os filósofos, os galhofeiros, os excitados e os inconscientes. Aproveitei-o e acrescentei-o. Ao artigo, claro.

Os Paranóicos:

Tosse, espirros e pânico. Parece o nome de um filme, mas não é. No domingo passado um voo da United Airlines teve que fazer uma escala forçada em Denver porque os passageiros, alarmados com a tosse de um deles, protestaram tanto que o avião acabou por pousar para deixá-los sair...

Os Higienistas:

Não largam o desinfectante, não se aproximam de ninguém e quando acabam de lavar as mãos, lavam outra vez, não se vá dar o caso de terem ficado mal lavadas. Consultam freneticamente “O SITE” que escolheram como aquele que tem mais e melhor informação (geralmente, o de uma Universidade).

Os Oportunistas:

“Quando é que estes gajos mandam fechar as escolas?” Perguntam, insistentemente, nas redes sociais. No meu caso, a minha filha Aurora, de 8 anos, encaixa neste grupo na perfeição. Não tem redes sociais, mas fazia-me a pergunta de hora a hora. Como eu não sou bom da bola, ela deve ter sido a única da turma que foi para a escola, na 6ª feira, sem saber que, a partir de hoje, não tem aulas presenciais.

Os Filósofos:

Têm como lema: pensar para não entrar em pânico. Intelectuais, activistas, ambientalistas ou simplesmente curiosos, procuram andar um passo atrás nas notícias para melhor entenderem as causas e as consequências da epidemia. Porque são optimistas, vêem na queda da poluição um factor positivo disto tudo. Têm sempre um “ah, mas...” para dizer em relação a qualquer coisa. Deve-se a eles o aumento inesperado de vendas de “A Peste” de Albert Camus.

Os Galhofeiros:

Denunciam aquilo a que chamam “a loucura dos media”. Chateiam-se com os exageros, como a busca pelos enlatados, e gozam que se fartam desta imperiosa necessidade de ir a correr comprar papel higiénico.

Os Excitados:

São os que enchem a despensa com esparguete, arroz, enlatados e papel higiénico. Estão de quarentena há quase 1 mês. Já cancelaram a escapadinha de Novembro a Roma e o cruzeiro de verão no Mediterrâneo. Não visitam a família e recebem-na a partir da varanda de casa, como o Presidente da República. Papam toda a informação certa ou errada que lhes passa pela frente dos olhos. E carregam F5, no Ocorrências Madeira, de 10 em 10 minutos.

Os Inconscientes:

“Mas eu não estou doente! Não tenho sintomas...”. Esta é a premissa base do seu comportamento. Querem continuar a dar “bacalhaus” a torto e a direito, e a beijar as primas, como sempre fizeram. Indiferentes, desinformados ou inconscientes... muitos pensam que o coronavírus não pode afectá-los. Aconselham a que se não veja televisão porque só transmite tretas nos noticiários.

Os Idiotas:

Este grupo vai por minha conta. São os gajos que sabem mais do que toda a gente. Que recebem informação do irmão do primo da cunhada do senhor do 3º esquerdo que conhece um gajo que é primo da nora do fulano que é o dono da chave da retrete do hospital. Também compram papel higiénico às toneladas, porque borram-se com tudo o que lêem de origem mais do que duvidosa. Nunca revelam fontes, mas dizem que são muito boas.

Por certo há-de haver mais grupos. Se não se revêem em nenhum, criem-nos.

Ah! e não levem isto a sério...

6. Tempos excepcionais exigem medidas extraordinárias. Mas que isto não dê ideias a alguns, pois passado o momento, queremos de volta todos os nossos direitos, deveres, liberdades e garantias. Tenhamos sempre presente o que disse Benjamin Franklin: “aqueles que se dispõem a renunciar à liberdade essencial em troca de uma pequena segurança temporária não merecem liberdade nem segurança”.

7. Temo que entre as grandes vítimas do coronavírus estarão a economia e a confiança.

8. Por toda a Itália, nas janelas das suas casas, as crianças penduram a esperança: “Andrà Tutto Bene!”

Vai correr tudo bem!

9. É uma coisa muito técnica, mas é um orgulho ver um português avançar com um projecto que conta já com o contributo de mais de 1500 especialistas, a maioria deles portugueses, e que procura com rapidez e recorrendo ao 3D, combater a escassez de equipamento de auxílio respiratório.

“Fomos contactados por uma empresa que trabalha com uma equipa da Fórmula 1. A competição está parada, viram o que se está a passar e contactaram-nos para pôr à disposição os meios deles”, revelou João Nascimento ao Público, sem adiantar mais detalhes.

Os primeiros protótipos já estão prontos a ser “impressos”, para avançarem para a fase experimental. Que rapidamente vejamos esta iniciativa conseguir minorar a falta crónica de ventiladores hospitalares.

10. “Permita-me uma frase que não é minha, que li hoje nas redes sociais, mas que apetece muito partilhar: ‘Aos vossos avós, foi-lhes pedido para irem à guerra, a vocês pedem-vos para ficar no sofá. Tenham noção’” - Rodrigo Guedes de Carvalho.

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