Crónicas

Uma semana sem história

Não me via como a minha mãe, uma senhora de meia idade, com o cabelo a embranquecer, à roda de problemas sem interesse, a repetir frases como “vida é mais larga que comprida” ou a lamentar não ter uma filha prestável, que lavasse a loiça e passasse menos tempo a pensar na “morte da bezerra”.

Foi assim uma semana igual às outras, daquelas sem história e em que o acontecimento mais extraordinário foi abrir o frigorífico, perceber que não havia leite e fazer um pequeno almoço de improviso com aquela certeza na cabeça: não há maneira de me organizar como deve ser. Todos dias falham coisas. Umas vezes é a roupa que se acumula dentro do cesto; no dia seguinte reparo que o tubo da pasta de dentes está quase no fim e que passou o prazo para pagar a conta da água num contínuo de assuntos por resolver.

Acho que é a isto que se chama rotina, aquela de que ninguém gosta, não se sonha com isto. Eu não sonhei e lembro-me de pensar o futuro como algo glorioso, com viagens pelo mundo, um apartamento em espaço aberto e um jipe na garagem. A minha vida seria muito, mas muito diferente da que a minha mãe tinha na nossa casa do Laranjal, sempre a queixar-se do muito que havia para fazer. As compras, as contas, o almoço, a roupa e a casa onde só aos domingos havia ordem e uma jarra com flores na mesa do quarto de engomar.

O meu futuro não teria problemas rotineiros, aborrecidos. Aos 14 anos, que foi a idade em que comecei a quer ser dona na minha vida, o frigorífico era capaz de encher por magia, sem necessidade de ir ao supermercado e não seria preciso arrumar a casa. Só teria a parte boa como escalar os Himalaias e atravessar o Saara, que me pareciam tão simples como ter um jipe e um apartamento numa antiga fábrica, com janelas grandes como tinha visto numa revista. Nos sonhos estamos todos destinados a profissões aliciantes, a ser ricos, bonitos e felizes.

Não me via como a minha mãe, uma senhora de meia idade, com o cabelo a embranquecer, à roda de problemas sem interesse, a repetir frases como “vida é mais larga que comprida” ou a lamentar não ter uma filha prestável, que lavasse a loiça e passasse menos tempo a pensar na “morte da bezerra”. O que me pareciam delírios, já que eu não pensava na morte na bezerra, mas em mim, alta, esguia e rica, assim aos 25 anos, a conduzir um jipe, parecia que dava mais estilo do que um Renault Cinco.

Não foram necessários muitos anos para perceber que a vida tem mais de rotina do que de extraordinário e que a maioria de nós é normal, tem existências normais, preocupa-se com problemas menores como ir ao supermercado, pagar as contas, ver jogo de futebol, seguir uma série na televisão, conviver com os amigos, trabalhar durante a semana e descansar ao sábado e ao domingo, cuidar dos filhos, dos pais e, com sorte, tirar um tempo para espairecer, para andar e ver o mar. E saber que as semanas boas são mesmo as que não têm história.