Crónicas

Um simples monte de formigas

O pior cego é aquele que se isola no topo do seu monte de formigas, sustentado por uma periclitante fé de todos aqueles que o alimentam. Fazem-no para que consigam manter, a todo o custo, as suas benesses

Numa das minhas incursões para ouvir a sabedoria das rugas, aquela que se ensina depois de terem sido percorridos os caminhos complicados da vida, as pedras ásperas do calhau ou a lama que se prega às botas d’água, alguém me dizia que apenas existem dois tipos de pais: aqueles que protegem e tentam esconder o filho quando sabem que ele cometeu um crime, gritando falsas juras sobre a sua inocência e aqueles que, com o coração despedaçado, fazem o que está certo. Ou seja, incentivam o filho a se entregar à polícia, a assumir os seus erros e a responsabilizar-se pelos seus actos.

- E assim se faz um homem...

Responsabilizar ou ocultar? Um dilema que não se estende apenas ao seio familiar. Ser ou não cúmplice de algo que sabemos que está mal é uma decisão que pesa, obviamente na consciência daqueles que a têm. Virar a cara perante as incúrias que são cometidas nas nossas barbas é ou não fazer parte da tal cumplicidade que os prevaricadores e impreparados tanto admiram?

Mas aqueles que se recusam a “dar um jeitinho”, a fechar os olhos e a calar aquela vontade louca de chamar a atenção, são quase que esconjurados e enxovalhados por uma horda de fiéis carpideiras e outros mastronços que, graças às ferramentas que têm hoje ao seu dispor, podem, anonimamente, vomitar todos os ódios produzidos pela cegueira da coletividade a que pertencem.

No seu livro Originais – Como os Inconformistas Mudam o Mundo – Adam Grant, professor e um dos estudiosos mais influentes na área dos recursos humanos – ensina-nos que “quando nos tornamos curiosos em relação às convenções insatisfatórias do mundo, começamos a reconhecer que a maioria delas tem origens sociais. As regras e os sistemas são criados por pessoas. E essa consciência nos dá a coragem de refletir sobre como podemos mudá-las.”

Mas é aqui que entram as tais hordas de carpideiras encomendadas e mastronços que, pelo simples facto de se recusarem a pensar na observação crítica que foi feita pelos tais que se sentem na obrigação de falar, revelam que estão subjugados ao poder descomunal dos antolhos; “palas que não deixam o animal de tiro olhar para o lado” ou “pala com que se resguardam os olhos da luz”.

O crescimento do indivíduo dá-se a partir do momento em que o mesmo se predispõe a ver outros ângulos e a compreendê-los. Diz o povo, o sábio povo, que “o pior cego é aquele que não quer ver”. Acrescento ainda que é também aquele que não quer escutar, nem sentir o que se passa à sua volta.

O pior cego é aquele que se isola no topo do seu monte de formigas, sustentado por uma periclitante fé de todos aqueles que o alimentam. Fazem-no para que consigam manter, a todo o custo, as suas benesses e status quo, sem se aperceberem que, perante uma humanidade gigantesca em termos de evolução e mudanças, nunca deixarão de ser um simples monte de formigas.