Crónicas

Que referências para os mais jovens?

Há um contraste enorme entre quem teve tudo e acha que nada presta e que pode faltar às aulas para dar puxões de orelhas ao Mundo, e quem nada teve, nem sequer liberdade, e só queria ter a oportunidade de frequentar essas mesmas aulas

Um dos traços que marca de forma transversal a juventude desde que se escreve sobre ela é a irreverência. Já sabemos que eles gostam de tudo o que meta em causa o instituído, adoram confrontar e têm até a pureza e às vezes a saudável ingenuidade para mexer no que está há muito definido. Quando somos jovens é assim mesmo, temos todos os sonhos num só e achamos que podemos mudar o Mundo. Que as coisas têm que ser à nossa maneira. Revoltamo-nos contra as injustiças e queremos sempre que tudo mude. Somos muito mais sensíveis às grandes causas da humanidade em contraponto com os mais velhos que já cansados de tentarem mudar e que nada tivesse mudado vão tentando apenas levar a sua vida pelo melhor e construir algo para as gerações futuras de uma forma mais pragmática, egoísta e fechada.

É por isso com naturalidade que vejo este apoio a Greta Thunberg. Porque corporativiza todos os ingredientes essenciais para fazer despertar as hostes dos mais novos. Senão vejamos: Em primeiro lugar porque puxa para a discussão pública (e bem, diga-se) um tema da moda. O ecológico e ambiental, numa época em que devoramos tudo o que diga no rótulo “saudável” mesmo que na maioria dos casos seja um embuste ou se quisermos ser mais brandos uma generosa campanha de marketing. Depois porque lhes dá um motivo para a tão desejada falta às aulas sem que a maioria dos pais tenha argumentos para os contestar ao contrário de todas as outras vezes. Em terceiro porque esta figura de Pop Star serve de engodo perfeito para aquilo que todos eles querem, ser famosos, aparecer na televisão mesmo que quando são entrevistados nas ruas em protesto muitas vezes só digam bacoradas quando lhes é perguntado simplesmente “e o que fazes tu em casa em defesa do ambiente?” ou ainda porque lhes dá a razão que tanto procuram para criticar os mais velhos, para os culpabilizar disto ou daquilo e lhes mostrar que eles não sabem tudo como apregoam.

Perguntar-me-ão então, “e o que é que isso tem de mal?”. Não vejo este tema só com aspetos negativos ou positivos. É bom tornarmo-nos todos mais sensíveis na preservação do Planeta. O que é perigoso é sermos instrumentalizados em prol de determinados lobbies. Ao contrário de outros como Boyan Slat que aos 16 anos inventou o primeiro sistema de limpeza de plásticos oceânicos que lidera o grupo de inovações tecnológicas e que não passa de um anónimo, no caso de Greta vemos que toda a construção em prol de uma imagem foi meticulosamente articulada sabe-se agora por grandes grupos e que contém na sua mensagem algumas tendências pouco recomendáveis como o facto de que faltar às aulas é o caminho para chamar a atenção das pessoas ou que existe algo que precisa ser dito e que aliás todos nós já sabíamos mas que não traz nenhuma solução ou recomendação para resolver o problema. Nem me parece que ser fundamentalista e evitar por exemplo os aviões tão indispensáveis hoje em dia seja sequer razoável.

Tenho pena sinceramente de não ter visto o mesmo comprometimento dos mais jovens no caso da paquistanesa Malala. Ela sim que ao contrário de Greta teve a infância roubada por um regime opressor que quase lhe triturou a vida às custas de um fundamentalismo islâmico que maltrata as mulheres. Ela que só tinha o sonho de estudar e que ao lutar por esse singelo sonho sofreu ameaças e inclusive um tiro na cabeça tendo sido resgatada (pasme-se) por um avião pouco ecológico rumo a Londres. Malala nasceu numa família extremamente pobre e tinhas todas as razões para se queixar e se revoltar mas vemos na sua mensagem de esperança uma serenidade assente nos ideais mais nobres. Ela ao contrário da sueca não respinga ódio nem vontade de vingança mas os seus olhos trazem-nos Paz e emoção. Um contraste enorme entre quem teve tudo e acha que nada presta e que pode faltar às aulas para dar puxões de orelhas ao Mundo e quem nada teve nem sequer liberdade e só queria ter a oportunidade de frequentar essas mesmas aulas e acha que vale a pena lutarmos pelos nossos sonhos mais simples, pela verdadeira essência de fazer o bem e que nunca deixou de lutar mesmo nas situações mais difíceis para ajudar a tornar o Mundo melhor e para dar uma razão a todas as mulheres que sofrem perseguições e descriminações para que não desistam e lutem pelas suas oportunidades.