Crónicas

Programa de Governo, IRC e Economia

1.Livro: Rudy Reichstadt, o fundador do sítio web “Conspiracy Watch” que publica, há vários anos, análises muito completas sobre teorias e teóricos da conspiração, está cansado de ver os negacionistas do 11 de Setembro e os defensores da Terra plana, a beneficiarem de atitudes compassivas e até complacentes, por parte da maioria das pessoas. Segundo o autor, não há nenhuma boa desculpa para acreditar na grande trama, na grande conspiração.

“A conspiração não pertence sequer à psiquiatria. É, primeiro que tudo, um recurso discursivo colocado ao serviço de uma guerra política”, escreve Reichstadt num denso ensaio no qual desenvolve a ideia de que, por trás de qualquer teoria da conspiração, se oculta o espectro de uma ideologia que avança, mascarada.

No seu livro: “L’opium des imbéciles: Essai sur la question complotiste”, Reichstadt escreve que as teorias da conspiração são muito mais perniciosas do que as pessoas pensam.

O seu principal objectivo não é convencer alguém sobre uma determinada tese, é o de destruir o quadro de referência comum, reduzindo a realidade factual ao nível da opinião, semeando dúvidas e confusão. O importante não é tanto estabelecer uma narrativa conclusiva, mas garantir que não se possa deixar de duvidar.

“Os riscos são demasiado elevados”, conclui Rudy Reichstadt neste ensaio nervoso e denso. Nada está perdido. “A maioria de nós é, ao mesmo tempo, dotada de razão e capaz de boa-fé.”

2.Escrevi o que vem a seguir antes de saber qual o resultado das eleições espanholas. Não que isso alterasse, fosse o que fosse, em relação ao que penso.

A Catalunha tem tudo para dar mal. Um todo onde a cabeça se separou do corpo, onde o coração se desentendeu com a razão, onde cada perna seguiu para o seu lado e cada braço renega o outro. A cada acção, sucede-se uma reacção. Ninguém pára para pensar.

A Catalunha está refém e, a bem-dizer, a Espanha também. Reféns da irresponsabilidade eleitoral de Pedro Sanchez e da sua falta de visão; de um partido popular contaminado com franquismo centralista que nunca aceitou uma Espanha de nacionalidades; de um Ciudadanos que, no último ano e meio, se especializou em dar tiros nos pés quando, antes disso, era dado como possível vencedor de eleições; da insensatez do presidente Torra que de manhã diz uma coisa e à tarde outra; de um Puigdemont armado em herói da nacionalidade; da leviandade da esquerda republicana catalã; do populismo pseudo-nacionalista do Vox; da violência, seja ela policial, seja dos autoproclamados Tsunami Democrátic, e da sua febre destruidora. Reféns de tudo isto, é difícil que se consigam ouvir as vozes dos poucos que defendem o diálogo e a negociação, de um lado e do outro.

3. Quando se comemorou a queda do muro de Berlim, seria bom que reconhecêssemos que o pior dos muros é o muro mental.

4 Escolas de Seattle, propõem-se ensinar que a educação matemática é racista.

Esta tontice do identitarismo ultrapassou, e muito, a razoabilidade.

Os brilhantes defensores desta... “coisa”, perguntam-se: “por que ensinamos crianças a contar segundo o modo ocidental e não, por exemplo, como os aborígenes contam?” Será que é preciso mesmo responder? Eu não tenho nada, como curiosidade, que se mostre como outras culturas contam. Acho isso até bastante interessante. Daí até cada qual ensinar matemática como lhe der na bola...

A matemática — dita pela Igreja do Renascimento como “filha do Diabo” — que hoje usamos, é o resultado de milhares de anos de evolução. Foi com a participação de inúmeros povos de todo o mundo: chineses, indianos, mesopotâmicos, egípcios, sumérios, gregos, árabes, maias, etc., a todos se deve a matemática que hoje usamos. Há lá coisa mais inclusiva.

Faz-me lembrar o filme “Contacto”, baseado num livro de Carl Sagan, quando Ellie Arroway se vira para um político e diz: “Mathematics is the only truly universal language, Senator” — “A matemática é a única linguagem universal, Senador.” E fica tudo dito.

5.O Nosso Senhor da Economia disse na semana passada que, na Madeira, se verifica uma “recuperação absolutamente extraordinária que se iniciou em 2014”. O Secretário elogiou, de uma assentada, o último Governo de João Jardim e o anterior de Albuquerque. Governos em relação aos quais, no que diz respeito há economia, até parece que nunca se lhe ouviu uma crítica.

Não era isso perfeitamente dispensável? Se pensa assim, porque levou 5 anos para o reconhecer?

6. Tenho pena. Tenho pena que o CDS se prepare para ser diluído dentro do PSD. Por oposição, os conservadores são os principais adversários dos liberais. E, agora que o liberalismo chegou e se recomenda, faz-nos falta um partido conservador. Mas vamos deixar de o ter. Esta esquerda light subsídio-dependente (ou “apoio-dependente”, se quiserem), correu para as tacinhas que lhes deram, com a vontade toda.

Daqui a dois anos, só lhes resta uma opção: ir às autárquicas, coligado com o PSD, onde a oposição é poder (Funchal, Machico, Santa Cruz, Ribeira Brava, Porto Moniz e Ponta do Sol), desistir, a favor do PSD, onde este é poder (Câmara de Lobos, Calheta, Porto Santo e São Vicente) e contar com a desistência a seu favor do PSD em Santana. É pouco, é muito pouco, e destituído de ambição, mas é a única maneira de evitar que os parceiros de coligação se critiquem na campanha e se abracem nos corredores do poder.

7.Remeto a minha apreciação do Programa de Governo para a imagem que acompanha estes escritos.

Queria só ressaltar a falta de cuidado que o texto encerra ao usar a palavra “madeirenses” 37 vezes e a palavra “porto-santenses” só 8 vezes. Depois de habituado a ouvir uma expressão associada à outra, isto soa-me mal, vindo de onde vem.

Sou dos que pensam que “madeirenses” inclui os naturais do Porto Santo. E acho também que ao separá-los por ilhas, aos madeirenses, é porque se considera que alguém é menorizado.

Se se torna corrente utilizar a expressão “madeirenses e porto-santenses” tem que se a usar até ao fim, sob pena de pensarmos que, se o fazem, é por pura conveniência discursiva e, como tal, idiota.

8.Em relação ao IRC, e tendo em consideração que o total do colectado anda à volta de 97M de € (cerca de 5% do Orçamento regional), em vez de baixar este imposto, no colectável até aos 15.000€, em 1%, coisa que os pequenos empresários designam por migalhas, devia era pensar-se em isentar de IRC o colectável até esse valor ou outro, mesmo que mais baixo.

Isso sim! ia permitir às nossas pequenas e médias empresas que pudessem ambicionar deixar de o ser, pois teriam maior margem para reinvestimento.

Agora ir para a Web Summit referir que o IRC na Madeira vai baixar para os 12%, ficando no mesmo patamar da Irlanda, e omitir que isso só acontece para os primeiros 15 mil euros, é uma coisa sem pés nem cabeça. Quando o ouvi, tive um ataque de vergonha alheia. Depois, passou-me. Nada a que não esteja habituado.

9. “Onde há grande propriedade, há grande desigualdade. Para um muito rico, há no mínimo quinhentos pobres, e a riqueza de poucos presume da indigência de muitos” – Adam Smith