Crónicas

Prender a Liberdade

A grandeza de Victor Costa não se esgota na terra que o viu nascer. É um nome grande na cultura portuguesa. É dele a música do Hino da Madeira do qual nunca recebeu os direitos autorais. E muito se queixava disso. Homem frontal dizia, com elevação, o que muitos não gostavam de ouvir. Houve mesmo quem, com a superioridade dos pequeninos, se lhe tenha referido dizendo: “Roma não paga a traidores”

1. Disco: a banda sonora original de “Bohemian Rhapsody” já anda pelo Spotify. E não é preciso dizer mais nada.

2. Livro: “Cenas da Vida de um Minotauro”, do nosso José Viale Moutinho, é um livro de contos deliciosos, viagens históricas ao saber da pena de quem tão bem desnovela o saber que só a boa escrita jornalística consegue trazer.

3. A Atlanticulture dos meus amigos Sérgio Nóbrega e José Paulo do Carmo foi até Cabo Verde assinar um protocolo com o governo daquele país para o arranque do segundo centro da Atlanticulture. Tudo em prol da multiculturalidade que é esta pátria da “língua portuguesa”. Caso para dizer: “os cães ladram e a caravana passa”.

4. Quem me conhece sabe que gosto muito de futebol. Do futebol pelo futebol. Daquela paixão inexplicável que nos leva a alguns irracionalismos, preferencialmente, contidos. É que só a paixão nos permite explicar clubes como o União de Coimbra que depois de fechado começa a ressurgir das cinzas. Ver um histórico Farense que a pulso se vai erguendo. Um Estrela da Amadora, detentor de uma Taça de Portugal, que reabre as asas para começar um novo e livre voo. E gosto de situações de ruptura que só a paixão pode proporcionar. O Belenenses clube decidiu mandar passear o Belenenses SAD. O campeonato da 1ª Divisão da Associação de Futebol de Lisboa ganhou um dos grandes do futebol português. Tenho a certeza de que o percurso vai ser meteórico e teremos o Belenenses histórico no lugar que é seu por direito, dentro de poucos anos.

Tudo isto porque o futebol não se explica, sente-se e vive-se.

5. Na Universidade de Griffith, na Austrália, há um concurso anual sobre a definição mais apropriada para um termo contemporâneo... Este ano, o termo escolhido foi: “politicamente correcto”.

O estudante vencedor escreveu: “Politicamente correcto é uma doutrina, sustentada por uma minoria iludida e sem lógica, que foi rapidamente promovida pelos meios de comunicação (também iludidos e sem lógica) e que sustenta a ideia de que é inteiramente possível pegar num pedaço de esterco pelo lado limpo.”

6. Enquanto no Porto Moniz a câmara local contrata/requisita a namorada do seu presidente para Chefe de Divisão dos Recursos Humanos e se acha isto normalíssimo, a restante entourage socialista prendou-nos com um vídeo de Paulo Cafôfo em que o guião é omisso de questões como o Hospital e mentiroso em relação aos juros, uma vez que a dita poupança é para abater directamente na dívida. Salva-se a edição e a montagem. Os actores são fraquitos mas o gato é giro.

7. Deixou-nos o Maestro Victor Costa. Tenor de grande qualidade que fez grande parte da sua carreira na Alemanha e, não tenhamos medo de o dizer, a maior voz lírica portuguesa dos anos 50 e 60. A grandeza de Victor Costa não se esgota na terra que o viu nascer. É um nome grande na cultura portuguesa. É dele a música do Hino da Madeira do qual nunca recebeu os direitos autorais. E muito se queixava disso. Homem frontal dizia, com elevação, o que muitos não gostavam de ouvir. Houve mesmo quem, com a superioridade dos pequeninos, se lhe tenha referido dizendo: “Roma não paga a traidores”. Mas ao que parece pagou, e durante muito tempo, a idiotas.

Porque não era homem de se vergar pois preferia partir, entrou em ruptura com um poder pequenino que destratava quem não lhe fazia a vénia, e continuava a pensar pela sua cabeça.

Durante os últimos anos tentou vender o seu espólio, parte dele já está mesmo no Arquivo da Madeira. Sete anos, creio eu. E durante sete anos não houve quem lhe conseguisse dar uma resposta. O “não” também faz parte da vida. E só não o usamos quando temos problemas de consciência.

Não sei se o Maestro morreu pobre ou não. Sei, isso com toda a certeza, que teria sido merecedor de todas as homenagens que lhe conseguíssemos ter prestado em vida. Pelo menos, depois da morte, que seja tratado com a dignidade que merece.

8. Cada vez me convenço mais de que há uma intrínseca relação entre o mérito e todo este mar que nos rodeia.

9. “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.” E com isto se construiu uma nação democrática e livre. O acima faz parte da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Deixemos a parte do criador de fora. Os “Founding Fathers” americanos deixaram escrito, com uma enorme clareza, que os nossos direitos fundamentais não os temos porque o Estado assim o quer. Que não são os detentores do exercício do poder que nos “oferecem” os direitos que são de todo e cada um de nós. O direito à vida, à liberdade e à felicidade pertencem-nos e deles temos que fazer bom uso. A boa governança deve garantir que tenhamos todas as condições para corrermos atrás dos nossos sonhos, das nossas ambições. E temos também que ter bem presente que, nada nos dá o direito de interferir nos direitos dos outros, se para tal não formos chamados.

E se temos direitos, nada nos pode dissociar dos deveres. O dever de participação, de solidariedade, de respeito pelos outros, do exercício da cidadania, de proteger, são alguns dos deveres que temos que muitos persistem em esquecer.

10. E por cá continua tudo na mesma: a mobilidade imobilizada, o ferry ferrou-se, à conta do Hospital uma nova formula de arranjar percentagens, em suma, as politiquices e partidarites do costume a amarrarem a Autonomia. Que as eleições venham depressa.

11. “- Ela é tão livre que um dia será presa.

- Presa por quê?

- Por excesso de liberdade.

- Mas essa liberdade é inocente?

- É. Até mesmo ingénua.

- Então por que a prisão?

- Porque a liberdade ofende.”

Clarice Lispector