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Crónicas

O tremor, o mérito e a sincronização do caos

1. Disco: gosto de “pop”, de boa “pop”. São poucos os nomes que não me desiludem. La Roux nunca me engana e “Supervision” resiste ao teste do algodão, como todos os trabalhos anteriores da dupla britânica. Oito faixas a recordar sonoridades dos anos 80. Estão lá as guitarras à moda de Niles Rodgers, os falsetes de George Michael, as vozes dobradas à moda das Bananarama.

2. Livro: “A Estranha Morte da Europa”, de Douglas Murray. Não tenho dúvida nenhuma de que o islamismo radical não passa de um novo fascismo travestido de roupagens religiosas. Com o escrito atrás, não quero que fique a ideia de que acho que o islão é todo ele radical. Tenho a percepção de que a esmagadora maioria é composta por pessoas moderadas.

Ao longo do livro o autor mostra a sua perspectiva sobre uma vasta gama de tópicos polémicos que afectam a vida dos europeus e que têm a ver com imigração. Não concordo com a maioria do que li, mas é um livro que nos põe a pensar.

3. A terra tremeu. Abanámos, mas não caímos. Há quarenta e cinco anos que não tremíamos assim. Quarenta e cinco anos que são mais que levamos de Autonomia.

Que, com o balanço telúrico, tenham também abanado as consciências. Que na Assembleia bipolar, que construímos em Setembro, se pratique mais o bem-fazer e o bem-dizer. Que nos governos, de cá e de lá, se oscile e se resolvam, bem resolvidas, as questões do ferry e da mobilidade. Que no SESARAM se tenham agitado as cabeças que decidem e que se proporcione, a todos, mais e melhor saúde. Que a educação tenha vibrado e se agigante como motor de desenvolvimento cultural, económico e social, como verdadeira ferramenta de alavancagem social. Que a nossa capacidade de exigência tenha balançado e se torne maior. Que fiquemos todos vibrantes de querer ter mais e melhor liberdade de decidir o que é melhor para cada um de nós.

Mas temo que este tremor seja só geológico. Como era bom que, passado o susto, conseguíssemos ir por aí fora a abanar tudo o que precisa de ser abanado.

4. O mérito não se impõe por decreto. O mérito impõe-se pela qualidade. Dizer que quem tem melhores condições de vida tem acesso a melhores condições de formação e logo tem acesso a competências que outros não têm, é uma “lapalissada”. É óbvio. Eu, defensor do mérito, quero que essas diferenças sejam esbatidas, que o mérito seja um percurso.

A intervenção terá sempre que ser feita no sentido de que a igualdade de oportunidades seja uma realidade proporcionadora de competências. São estas que geram o mérito.

Um modelo apoiado no mérito é um ideal de organização social que procura a promoção do indivíduo nos diferentes espaços sociais: escola, universidade, instituições, trabalho, iniciativa privada, poder público, etc., em função do seu mérito e não da sua origem social, da sua riqueza ou das suas relações pessoais.

O que temos de procurar, é que o “mestre” vá lá a casa arranjar o cano da cozinha exerça o seu mérito e ao fazê-lo não tenha que lá ir uma série de vezes porque não tem capacidade de resolver o problema à primeira; que a senhora que nos atende na Segurança Social não nos responda que não sabe e se agarre ao telefone para perguntar a cinco serviços diferentes respostas que devia saber; que o indigitado para gerir uma empresa pública seja o mais capacitado e não o amigo de um figurão da política; que o Secretário saiba ser Secretário e se rodeie dos melhores independentemente da cor partidária, etc.

Reconhecer que há uns mais competentes do que outros é aceitar uma evidência, seja por razões intrínsecas, formativas ou sociais. O mérito tem que ter a ver com o exercício da competência.

5. Divergências “graves” limitam a cooperação e inviabilizam o acordo comercial UE/Reino Unido. Contem-me coisas. O governo britânico de Boris Johnson quer estar fora e, ao mesmo tempo, dentro. Uma espécie de amigo com benefícios.

É tempo da Europa começar a gritar bem alto: “BREXIT means BREXIT”.

6 Na semana passada mais uma “coisada” que teve a ver com as aldrabices do pontapé na bola. Abriu os noticiários televisivos todos. Uma coisa é certa: não há vírus que suplante as porcarias do futebol.

7. Importante discurso de Marcelo Rebelo de Sousa nos 30 anos do Público, a mostrar que, quando quer, não é só beijos, abraços e selfies.

Com alguma firmeza disparou na direcção de São Bento acertando em Ferro Rodrigues, puxando-lhe as orelhas por este censurar debates e vetar propostas. Foi o caso da inenarrável questão da castração química levada a plenário pelo indescritível deputado do Chega. Mais uma acha para a fogueira da vitimização do figurão. A melhor maneira de combater os radicalismos é integrando-os, não fazendo deles vítimas.

Exigiu menos confronto e mais diálogo a governo e oposições, deixando claro que não alinha em crises políticas que levem a eleições antecipadas.

Marcelo foi duro e claro mostrando uma faceta que estava esquecida, no meio de tanto afecto e simpatia. A política não pode ser só isso.

Que este discurso seja para Marcelo o início de uma nova fase. Muito mais política e interveniente. Que seja um fim de ciclo onde predominou uma absurda necessidade de agradar a todos.

Ainda vai a tempo.

8. Na passada semana, no Parlamento, António Costa disse que “no meio da batalha não se mudam os Generais”. Dos dias depois, a Ministra da Saúde, Marta Temido, afastou o presidente da entidade responsável pela linha SNS24.

Devia ser só Coronel.

9. O Ventura foi candidato às autárquicas, às europeias, às legislativas e agora à presidência da república. Vai a todas.

Um dia ainda o vamos ver ser candidato ao Sporting.

10. A sincronização do caos é um fenómeno que pode ocorrer quando dois ou mais sistemas caóticos procuram a sincronização. Dois relógios juntos, ao fim de algum tempo, estão a trabalhar compassados, dois motores também e há mesmo quem defenda, baseado nesta teoria, que os ciclos menstruais femininos também procuram a sincronização, quando duas ou mais mulheres estão muito tempo juntas.

Vem isto a propósito de alguns programas de debate televisivo que se perpetuam no tempo. O Eixo do Mal é um deles. Clara Ferreira Alves, Daniel Oliveira, Luís Pedro Nunes e Pedro Marques Lopes estão, praticamente, juntos desde 2004, ano em que começou o programa. Com o tempo as polémicas entre eles foram diminuindo e apesar de se continuarem a afirmar de alinhamentos políticos diferentes, são hoje um caso provado de sincronização do caos, pois estão todos, muito mais vezes, de acordo entre si do que em divergência.

Por isso o programa já não é a mesma coisa e tornou-se num grande bocejo.

11. Na coligação que nos governa, a sincronização não é do caos, é a dos interesses. A maior parte das vezes do interesse pessoal, a se sobrepor ao interesse de servir.

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