Crónicas

O messias já não mora aqui

Os auto intitulados messias dos tempos modernos sabem que o grande truque está na capacidade de comunicar, gerar empatia com as grandes massas e entoar frases e slogans comuns. Elegem “anticristos”, mostram o seu lado mais dócil e humano, disfarçam as falhas com manobras ardilosas cheias de espetáculo, brindam-nos com fogo de artifício para desviar o nosso olhar e as nossas atenções.

Na sociedade organizada do espetáculo em que todos procuram os seus cinco minutos de fama, mesmo recorrendo ao ridículo e ao absurdo, continuamos a alimentar secretamente a ideia da chegada de um messias que se apresente como solução incontestável para resolver os nossos problemas, medos e anseios.

A demanda pela procura messiânica tem vindo a acompanhar a Humanidade nesta caminhada marcada pela evolução. Chegamos aos dias de hoje a acreditar, tal como acreditavam os nossos antepassados, de que um dia o salvador há de surgir para nos libertar não só da crueldade e dos males gerais, como também daqueles que são criados pelo gene egoísta que corre no sangue do ser humano quando o mesmo se enche de self-pity e acredita que o mundo deve, obrigatoriamente, girar à sua volta.

Acreditar num messias, num salvador, num libertador, é uma ideia que vai muito para além da religião. Este sentimento floresceu no povo português por alturas do Século XVI quando o rei-menino, – o “filho das lágrimas do nosso povo”, nascido dias após a morte do pai – deixou para trás um Portugal sem destino assegurado, caso perdesse a batalha e a própria vida. Os piores receios dos portugueses vieram a confirmar-se a 4 de Agosto de 1578, quando as tropas portuguesas foram derrotadas em Alcácer Quibir. O rei faleceu no campo de batalha e Portugal ficou entregue à sua sorte, mantendo, durante séculos, a forte esperança no ressurgimento de D. Sebastião.

Esta fé no sebastianismo conheceu inevitavelmente uma modernização, transformando-se na capacidade de ver, em determinadas pessoas, qualidades de verdadeiros heróis que, munidos de um qualquer super poder, são capazes de dar um sentido a essas mesmas esperanças e convicções.

E porque procuramos desesperadamente a ilusória plenitude da felicidade, associada à certeza de que seremos salvos por um messias iluminado, torna-se difícil ver, com o olhar crítico da lógica, as falhas e as omissões daqueles que se propõem a ser os líderes a seguir sem qualquer reserva ou resistência.

Tal como na religião, as ideologias políticas atuam como placebos, sempre prontas a mitigar qualquer problema, sempre dispostas a ser a solução para qualquer dúvida, pergunta ou estados de espírito.

Os auto intitulados messias dos tempos modernos sabem que o grande truque está na capacidade de comunicar, gerar empatia com as grandes massas e entoar frases e slogans comuns. Elegem “anticristos”, mostram o seu lado mais dócil e humano, disfarçam as falhas com manobras ardilosas cheias de espetáculo, brindam-nos com fogo de artifício para desviar o nosso olhar e as nossas atenções, difundem palavras que mais parecem saídas da nossa própria boca, tecendo um pano aparentemente consistente, numa harmoniosa fusão de ideias e de sentimentos generalistas.

Cientes de que precisamos de acreditar na salvação, os “eleitos” tentam a todo o custo esconder as pontas soltas, camuflando-as com as finas linhas da humildade, dos atos de contrição forçados e do espetáculo gratuito. Lançam frases para o ar, mas são incapazes de fundamentar, argumentar e justificar os “como”, “quando”, “a que preço” e “porquê”.

E nós – “Humano, demasiado humano” – somos seduzidos por esse desesperado desejo de alcançar o conforto, acorrentado às promessas e às palavras mágicas, subjugado à ilusão, onde não há lugar para a racionalidade pura e dura que, neste caso, só serviria para dar cabo dessa magia.

Seguimos esses herdeiros do sebastianismo, tal como seguimos cegamente todo aquele ou aquela que pega nas nossas dores e incertezas e nos convence de que é capaz de as resolver num ápice. Não é necessário saber se esta solução assenta num pacto com o demónio. O importante é alcançar rapidamente o objetivo e deixar as dúvidas e os porquês na prateleira do esquecimento, da apatia e do desinteresse.

Tal como na religião, os atos de punição são exatamente os mesmos quando se fala de política dependente de auto intitulados salvadores. “Assim sendo, a minoria do povo é ludibriada com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.” Assim escreveu Lutero na sua 24ª tese, afixada à porta da Igreja de Wittenberg, deixando antever a celeuma que iria criar no seio da Igreja Católica, abastecida pelos pagamentos dos fiéis para a absolvição dos pecados. Lutero apercebeu-se dos logros, atreveu-se a denunciá-los e acabou excomungado e perseguido. Valeram-lhe os príncipes que protestaram e todos aqueles que o escutaram sem preconceitos.

E razão tem Bertolt Brecht quando escreve “infeliz a terra que precisa de heróis”, pois revela que os homens e as mulheres continuam a depositar as suas esperanças num salvador dos tempos modernos, quando o messias já não mora aqui.

Não há salvadores, nem heróis, nem pessoas perfeitas. Não existem ideologias imaculadas, nem candidatos acima de qualquer interesse. Precisamos de competentes e não de imprestáveis. Necessitamos de gente com visão e não de pessoas que nos atiram areia para os olhos. Precisamos de trabalhadores honestos e não de malabaristas preguiçosos que nem os dossiers dominam. Necessitamos de servidores da causa pública inteligentes, cientes das suas fraquezas e das suas forças, capazes de dar a mão à palmatória quando assim tem de ser.