Crónicas

O Futuro somos nós

1. Livro: “O Senhor Krauss” de Gonçalo M. Tavares é o mais político de todos os livros que constituem a decalogia (sim, são dez livros) “O Bairro”.

“- Quanto às eleições para decidir quem governa um país?

- Ah, sobre isso a minha opinião é que se deveria fazer um jogo de futebol à antiga: cada Partido escolhia onze jogadores e a equipa que marcasse mais golos ia para o governo.

- Parece-me sensato e racional.”

2. Disco: No Treasure But Hope dos Tindersticks, saiu no final do ano passado. Um trabalho cheio de sensibilidade, iluminado, mesmo. O amor, a esperança e um enlevo prenhe de melancolia, levam-nos numa viagem de sons que, quando termina, nos deixa tristes. Excelente trabalho.

3. O que um cristão, como eu, quer num orçamento são perspectivas reformistas que alavanquem a economia criando riqueza e bem-estar para todos. Acabei de o ler e o Orçamento Regional não traz nada disso.

A nossa pequena dimensão constitui um dos maiores obstáculos à economia de escala necessária para que os mercados funcionem saudavelmente. Encontramos uma medida que seja neste OR que tenha uma perspectiva de criação de escala? Não.

O paradigma geográfico e orográfico da Madeira confronta-se com sérios problemas de vulnerabilidade socioeconómica, de insularidade e de dependência em relação ao exterior, ditados não só pela nossa limitada capacidade económica, mas, sobretudo, pela adopção de um inadequado modelo de desenvolvimento que gerou, e continua a gerar, inevitavelmente e intencionalmente, uma excessiva dependência de praticamente todas as áreas sociais e económicas, face ao Governo Regional. E isto é puro e simples estatismo, puro e simples socialismo. Há algo, no OR 2020, que procure alterar este estado de coisas? Não.

Tem este Orçamento como princípio que os mercados livres de influência de governantes e de empresários, que sobre eles tenham demasiada influência, mais facilmente encontram condições para rápida e eficientemente satisfazer as necessidades das populações, ao preço mais baixo, justo e equilibrado para todos, em equilíbrio com uma importante sustentabilidade social e ambiental? Não.

Chegámos aqui montados num modelo de obras caras de reduzida ou nenhuma utilidade, de gastos recorrentes de nenhum retorno que não o eleitoral/partidário, de dívida excessiva que entorpece e subjuga toda a sociedade e os sectores económicos, de uma consequente carga fiscal elevadíssima que condiciona investimentos, consumos, sonhos e ambições legítimas dos madeirenses, em especial dos mais novos, que aspiram a um futuro digno e promissor, ao seu merecido e legítimo “lugar ao sol”.

Como não há eleições este ano, o OR pouco mais é do que um deve e haver típico de mercearia.

Na última crónica disse que ia, nesta que escrevo, falar da despesa inclusa no Orçamento. Não sei se vale a pena perder tempo com isso. Ninguém quer saber e penso que o que escrevi acima é mais do que suficiente.

Que se mantenha este imobilismo e que nada se reforme. Que continue tudo na mesma. Que gastem como quiserem até ao próximo estouro. Aí, quando por via dos impostos e afins sentirem no bolso o que não quiseram saber quando se deveriam ter preocupado, lá virá a respectiva lenga-lenga sobre a qualidade de quem nos governa. Que os políticos são “isto” e “aquilo”, e filhos “desta” e irmãos “daquele”.

E depois, nas eleições, é só voltar a premiar o mesmo. Outra vez...

4. Até parece que temos medo do desenvolvimento, do progresso, da evolução. Não entendemos à primeira e, muitas vezes, nem à segunda, que vivemos num mundo evolutivo que tem a necessidade de mudar, de se reformular com frequência. Abraçamos com força a estagnação e o imobilismo. E gastamos oportunidades atrás de oportunidades, que não aproveitamos...

Corremos com alegria para os braços das promessas vãs e ocas. Deleitamo-nos com a vacuidade de frases bem montadas que não significam absolutamente nada. Uma hermenêutica distorcida que se constitui como a semântica dos dias que correm.

E somos muito, muito pouco exigentes.

Temos uma habilidade estranha de nos deixarmos afectar por uma coisa e pelo seu contrário, porque nos recusamos a escolher. Tudo se desmorona à nossa volta e não fazemos absolutamente nada — para além de umas discussões sem sentido e destituídas de soluções — como se transportássemos connosco a impossibilidade de perceber um desastre eminente.

A oportunidade de um futuro melhor está em cada um de nós. O futuro é o presente e mais um bocadinho. No entanto, recusamo-nos a acreditar nisso e vamos repetindo, à exaustão, os mesmos modelos, tomando as mesmas decisões vezes e vezes sem conta.

Somos levados pela resignação, quando o futuro somos nós.

5. O CDS continua a embutir as suas peças na estrutura governamental. Tentaram Lino Abreu nos Horários do Funchal, mas a coisa não correu bem. Houve logo uma dissensão interna e a coisa, por agora, ficou sem efeito.

O mesmo CDS que entrou a rosnar pelo Governo dentro, de peito feito, a dizer bem alto que não abdicava de uma vírgula do que pensava para a saúde.

Rui Barreto esticou o dedo e manifestou-se agastado. Como tão bem escreveu Raúl Ribeiro: esperava-se que o agastamento fosse contra o estado a que a saúde chegou, mas não, agastou-se contra o facto de o PSD estar a travar as nomeações que o CDS quer no sector.

Mário Pereira, o Sr. Saúde do partido, foi pelas canas dentro, pois não agradava ao PSD e, a bem da verdade, nem ao CDS.

Filomena Gonçalves foi a correr entregar o cartão do partido, porque não está para andar nas bocas do mundo como uma coisa que percebeu que nunca iria ser: Directora Clínica.

Resumindo: estes dois quadros do CDS Madeira já foram comidos e deglutidos pelo PSD. Aos outros vai acontecer o mesmo, mas têm que durar quatro anos. Até lá, vão andar por aí... quais zombies.

Alguém que explique a Rui Barreto que, apesar da teatral indignação, o acordo foi-se. Mas isso também não interessa para nada.

6. No PSD as tricas internas assumem lugar de destaque. As coisas são o que são. Em eleições democráticas, cada um é livre de participar e, impedir essa participação, não é um acto democrático.

Uns poucos, decidiram sobre um direito individual e intransmissível. Desde que haja uma única pessoa que queira exercer o seu direito a votar, numa democracia, esse direito tem que lhe ser assegurado.

Que tivessem apelado a que ninguém fosse votar é uma coisa, impedir um direito é outra.

Nada que me espante, vindo de onde vem.

7. O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, uma espécie de borrego do Partido Socialista que há quem veja como o sucessor de Costa, disse, alto e bom som na Assembleia da República que, se a TAP tivesse sido privatizada, os madeirenses “levavam com os preços que a empresa quisesse”. Segundo o patusco governante a Madeira, “comia e calava”.

Caramba, e eu que pensava que a TAP nos aplica os preços que quer e entende e que apesar de todos barafustarmos, comemos e calamos...

8. “Eis ao que leva o intervencionismo do Estado: o povo converte-se em carne e massa que alimenta o simples artefacto e máquina que é o Estado” – Ortega y Gasset