Crónicas

O bom, o mau e o esquecido

Ano novo, crónica nova. Neste espaço, de quinze em quinze dias, estarão em destaque três figuras: o bom, o mau e um incógnito que, de vez em quando, até pode ser um vilão. Na primeira aparição desta trindade quinzenal, Tolentino Mendonça assume o papel de bom, graças à ascensão meteórica na hierárquica do Vaticano, mas principalmente pela subida nunca o ter feito tirar os pés da terra. A TAP desempenha o papel de mau, pelo amor declarado à Madeira ser pago com passagens a peso de ouro. E Rui Rio encarna a figura de esquecido, porque se esqueceu de liderar o PSD. Os papéis estão entregues, vamos ao que interessa.

O bom: Tolentino Mendonça

Um pobre padre. Foi assim que Tolentino Mendonça se apresentou ao Papa Francisco quando este, em 2018, o convidou para organizar o seu retiro espiritual. Entretanto foi escolhido pelo mesmo Papa para dirigir o Arquivo Secreto do Vaticano e para ser responsável pela Biblioteca da Santa Sé – a mais antiga do mundo. Mas o que poucos esperavam viria logo a seguir. Tolentino seria ordenado cardeal da Igreja Católica. O segundo mais novo em funções. Eleitor e possível eleito na sucessão a Francisco. E, ainda assim, nada disto pesa ao madeirense. Nada disto o afasta do filho de pescador que, há 45 anos atrás, calcorreava as ruas de Machico. É isso que impressiona, e que nos desarma, em Tolentino. A sua simplicidade. Apesar dos cargos, dos prémios, das condecorações e dos títulos. Na verdade, o cardeal é um de nós, fala a nossa linguagem. Talvez por isso, se comente à boca pequena que o madeirense tem hipótese de chegar a Papa. Talvez por isso, alguns o coloquem na frente de uma espécie de corrida ao trono de São Pedro. É legítimo fazê-lo. Mas reduzir Tolentino Mendonça à possibilidade de vir a ser eleito Papa, é perder de vista tudo o que tem para nos oferecer. Esteve bem a Assembleia Legislativa ao atribuir-lhe a Medalha de Mérito da Região e, ainda melhor, Marcelo Rebelo de Sousa (com um ano de atraso) ao entregar-lhe a presidência das comemorações do 10 de Junho de 2020 na Madeira.

O mau: TAP

Dos preços módicos até ao amor platónico, a relação da companhia aérea nacional com a Madeira tem sido tudo menos pacífica. Mas a introdução pela TAP de uma nova taxa sobre o preço das passagens, no período de Natal e Ano Novo, não augura nada de bom para o futuro. Exigir mais de 800 euros a um português para deslocar-se dentro do seu próprio país e, sem qualquer aviso prévio ou explicação posterior, inflacionar ainda mais o preço nesta época, roça o terrorismo económico. É verdadeiramente preocupante que a TAP, com a fatia de mercado que detém nas ligações aéreas de e para a Madeira, manipule o preço das passagens conforme lhe convém. Mas se alguém esperava novas juras de amor do saudoso Engenheiro Antonoaldo, o “cara” não estava nem aí. Nem ele, nem o ministro da tutela, Pedro Nuno Santos, provavelmente mais preocupado com os comboios. Muito menos o administrador madeirense da TAP. Nada. Zero. Está tudo bem, não há nada para ver. Querem viajar? Paguem! E assim vai uma companhia aérea que foi recomprada pelo Estado porque era “a garantia da independência nacional e da ligação do nosso território descontínuo”, dizia António Costa em 2015. Curiosamente, o Estado é o maior acionista da TAP, mas não tem qualquer poder de decisão no dia-a-dia da empresa. Ainda mais estranho, foi o aumento das ações do Estado corresponder a uma redução do seu direito aos lucros da TAP. Ou seja, o acionista privado vendeu as suas ações, mas em troca vai receber uma maior fatia dos lucros da companhia. Afinal, porque é que voltámos a comprar a TAP?

O esquecido: Rui Rio

Rui Rio não tinha uma tarefa fácil. A história das eleições em Portugal não deixa margem para grandes dúvidas: o primeiro-ministro que complete o primeiro mandato nunca perde as eleições para o segundo. Nesse sentido, António Costa limitou-se a confirmar o inevitável. No entanto, o maior problema de Rui Rio não foi perder as eleições, foi ter perdido o PSD. E essa derrota começou na noite das eleições, com o ajuste de contas aos adversários internos, com as explicações que arranjou para a derrota e com o clima de suspeição que lançou sobre o partido. A partir dessa noite, Rio – que até tinha tido uma ponta final de campanha interessante – esqueceu-se de ser presidente do PSD. Perante o país, critica as opções do governo de António Costa, abomina o aumento da carga fiscal proposto por Mário Centeno, mas depois lança uma dúvida inconsequente sobre o sentido de voto do PSD no Orçamento do Estado. Perante o partido, prometeu um “banho de ética” e acabou por centrar o debate na forma de pagamento de quotas, cujo único efeito prático foi reduzir para metade o número de militantes que votam na próxima eleição. Na Madeira, a redução foi ainda maior e com a agravante de colocar em causa a autonomia da estrutura regional. Das duas uma: ou o PSD Madeira se afasta de Rio, ou passa a ser mais uma distrital do PSD nacional. Rui Rio que prometia ser um líder de futuro, é cada vez mais um presidente de transição. Uma espécie de Fernando Nogueira deste século. Não se lembra quem é? Pois, o problema é esse mesmo.