Crónicas

O Algoritmo do Humor

1. Livro: “Uma Cana de Pesca para o Meu Avô” de Gao Xingjian é um livro de contos belíssimos que li há uns anos. Lembrei-me dele a propósito de uma conversa sobre o meu avô que adorava pescar. Este livro de um Nobel envolve-nos numa carga poética e sentida cheia de cor. Muito bom de ler.

2. Disco: “Delta” está longe de ser o seu melhor disco, mas Mumford & Sons são Mumford & Sons e sabem sempre muito bem. Grandes músicas para ir ouvindo numa sonoridade que tem um quê de reinvenção.

3. Aprovou o Parlamento Europeu, meio à socapa, mais um passo no sentido da aprovação dos insanos artigos 11 e 13 de uma normativa europeia de pretensa defesa dos direitos de autor. A defesa dos direitos autorais não pode oferecer, seja lá a quem for, qualquer argumento contra. Mas não é isso que está em causa. É o modo.

Comecemos pelo art.º 11. Aqueles que, como eu, gostam de usar agregadores de notícias para andarem informados ou para confirmar notícias, deixarão de o poder fazer, se estes passarem a ter que pagar para mostrar uma simples hiperligação. Uma coisa tão simples como o Google News vai deixar de existir, tal qual o conhecemos e usamos. Este artigo determina que as plataformas online vão passar a ter de pagar uma taxa para terem permissão de disponibilizarem hiperligações que encaminhem o utilizador para um local onde se pode ler a notícia.

Este artigo é só estúpido. Em 2014, a Espanha aprovou legislação que obrigava os agregadores de conteúdos noticiosos a pagar para divulgarem links de notícias, levando a Google a fechar o seu serviço de News naquele país. A medida provocou uma quebra acentuada no tráfego das páginas das publicações noticiosas online (jornais, rádios, televisões, etc.) o que acarretou enormes quebras nas receitas de publicidade. Claro que, rapidamente, esta legislação espanhola foi revogada, a pedido dos próprios órgãos de comunicação social que pretendia defender.

O art.º 13 diz, muito claramente, que os prestadores de serviços online e os detentores de direitos de autor devem cooperar de boa-fé no sentido de assegurarem que, trabalhos protegidos por direitos autorais, não estejam disponíveis nos seus servidores, ilegalmente.

O que é que isto quer dizer? Simples. Significa que plataformas com o Facebook, o Twitter, o Pinterest e o YouTube, passam a ser responsáveis pela verificação dos conteúdos que por lá circulam. Ou seja, a responsabilidade passa de quem publica, o utilizador, para quem deixa publicar. Da permissão verificada “a posteriori” da parte de quem se sente abusado pelo uso da sua propriedade intelectual, passamos para a verificação “a priori”, inibindo publicações.

Parece simples, mas não é. O art.º 13 não explica como é que isto se vai fazer mas ninguém, no seu perfeito juízo, vai imaginar que, num qualquer gabinete do Facebook, estão meia dúzia de “especialistas” de lápis azul na mão a verificar os direitos de autor de todas as publicações. Referem-se tecnologias de reconhecimento para evitar a publicação, ou seja, mecanismos automáticas de filtragem baseadas em algoritmos específicos.

Segundo a Wire, revista bastante informada sobre assuntos destes, mesmo a questão dos “memes” não é tão simplista como querem fazer parecer uma vez que as fotografias onde se apoiam estão sempre protegidas pelos direitos de autor de quem as tira.

Se, por um lado, se diz que se defende o direito ao humor, por outro, não se explica como é que o, ou os, algoritmos vão aprender a distinguir uma piada de uma utilização que vá contra os direitos de autor. Mais, mesmo que se consiga um algoritmo humorado este terá sempre a ver com o humor de quem o faz que pode achar piada a uma coisa e nenhuma a uma outra. O humor está muito nos olhos de quem o vê e menos em quem o produz. Tenho para mim que, por via das dúvidas, vai tudo ao corte.

Mais se isto irá afectar, claramente, as grandes plataformas, muito mais afectará as pequenas: as de âmbito nacional. Imagine-se a felicidade do Sr. Orban que pode agora controlar completamente as plataformas húngaras, do mesmo modo que já controla a esmagadora maioria da imprensa. Os polacos do “Lei e Justiça” no poder, vão também esfregar as mãos de contentes.

Os artigos 11 e 13 não são perigosos, por aquilo que lá têm escrito. São perigosos, precisamente, por aquilo que lá não está.

Como dizia o meu amigo Afonso na passada semana: “na Europa, estamos na presença da “chinanização” da Internet”.

Nota: atenção que, no texto acima, só refiro as grandes plataformas mas isto tem mesmo implicações ao nível dos blogues. No limite, quem quiser fazer uma recensão crítica de um livro usando fotografia da capa e citações, pode ficar inibido de o fazer. O mesmo acontecendo com a simples publicação de uma hiperligação destes meus escritos no Twitter, o que certamente agradaria a muitos.

4. Na Madeira vai ser criada a figura do Provedor da Administração Pública. Excelente medida para uma sociedade que tem de ser mais exigente.

5. Saúdo a Câmara Municipal do Funchal. Na política, reconhecer que uma solução não resulta parece que é pecado.

Não o pode ser. A gestão da “coisa pública” é feita por homens e mulheres e, como tal, passível de erros. Reconhecê-los, é sinal de maturidade.

Esteve muito bem, a CMF.

E claro que me estou a referir ao emendar de mão no que diz respeito ao eixo João de Deus/Bom Jesus.

6. Andava eu a passear pelo Facebook quando me deparei com um poste do meu amigo Gil Rodrigues sobre uma tal de Flat Earth Believers. Uma página que reúne pessoas que acreditam que a terra é plana. Dizem-me que o número de pessoas que acredita nisto tem crescido, significativamente. Eu conheço algumas, poucas, pessoas que defendem isso. E outras coisas indizíveis.

Estes, desta organização, assumem a Bíblia como a prova científica daquilo que dizem.

Como, às vezes, não tenho muito o que fazer, pus-me a pensar nisso e lembrei-me do episódio de Noé e da Arca.

Deus mandou Noé construir um barco onde coubesse ele, a sua família e um casal de animais de cada espécie. Na sua suprema sabedoria, esse Deus iria inundar a terra e matar homens e animais, pois o pecado grassava por todo o lado.

Noé construiu a arca e, no dia certo, lá embarcaram os casais de animais, mais a sua família.

27 Dias navegou a barca e, quando a terra secou, Noé abriu-lhe as portas, deixado sair os animais. Agarrou nuns quantos e sacrificou-os a Deus.

E, se acreditarmos que a Bíblia é muito mais do que um conjunto de histórias e metáforas, começa aqui a responsabilização humana na extinção de espécies animais.

7. O Parlamento aprovou a integração de três novas vacinas no Programa Nacional de Vacinação (PNV), sem ouvir a Direcção-Geral da Saúde.

Aqueles especialistas, em tudo e mais alguma coisa, da Assembleia da República já votam vacinações que os técnicos ainda não concluíram como necessárias. Até a ministra fica surpreendida.

Ao dom da ubiquidade, some-se-lhes o dom da especialidade.

8. “Não te corta a liberdade somente aquele que te cala - também a amputa aquele que te obriga a falar” – Aforismo 236 de Filipe Santos.