Crónicas

Normal

Eu teria ficado mais uns anos na infância, mas aos 12 anos estava do tamanho que tenho agora, dava ideia de que o corpo tinha sequestrado a criança e até a mim parecia confuso brincar com bonecas e ler os mistérios juvenis dos Cinco.

Fui uma adolescente normal. Significa que isto que, naquela ordem de assuntos que tendem a causar desastres aos 13, 14 anos, só não tive borbulhas a explodir no queixo e na testa. Quanto aos demais dramas, passei por todos, dos 8 quilos a mais às roupas estranhas que a minha mãe mandava fazer para a festa da paróquia ou comprava nos restos dos saldos antes do início das aulas.

E não era tudo. Como se fosse pouco ser grande e ter a roupa a apertar na cintura, o feitio acanhado não ajudava. As pessoas tímidas tendem a comportar-se de modo inesperado. Às vezes ficam caladas, falam muito baixo ou então gritam e dizem piadas. O resultado é quase sempre constrangedor, sobretudo para o tímido e ainda mais se for uma adolescente que se sente invadida por estar a crescer.

Eu teria ficado mais uns anos na infância, mas aos 12 anos estava do tamanho que tenho agora, dava ideia de que o corpo tinha sequestrado a criança e até a mim parecia confuso brincar com bonecas e ler os mistérios juvenis dos Cinco. Lembro-me de, nas conversas do adro da igreja, quando os rapazes e raparigas mais velhos adoptavam um tom sério, dar opiniões que não eram minhas. Eu não tinha ideias sobre assuntos como a droga ou o amor.

Não sabia sequer o que era isso, não tinha lido os Filhos da Droga, que era um livro de culto na minha geração. E o amor era mais ou menos uma coisa da telenovela. Eu corava quando um rapaz falava comigo e vi-os de longe a jogar futebol no campo, mas tinha medo dos beijos, de não saber beijar. A arte do beijo parecia complicada, era tema na revista Maria, a sucessora da Crónica Feminina que a minha tia Conceição comprava todas as semanas.

A minha tia comprava, mas quem a lia era eu e devo dizer que, o que lá vinha escrito, me causou espanto naqueles anos da adolescência. Não levei muito a concluir que não sabia nada de amor e, se fosse aquele emaranhado de mal-entendidos, também me parecia que preferia continuar sem saber. A criança, que vivia sequestrada naquele corpo de adolescente desajeitada, tinha um sonho romântico de que, um dia, de cruzar-se com um rapaz e apaixonar-se.

E, enquanto isso não acontecia, passava as tardes a ler tudo a que deitava mão – dos rótulos das garrafas aos álbuns de banda de desenhada do meu primo Vítor, aos poucos livros que havia naquelas casas da minha infância. Quando me fartava, tomava o meu lugar em cima do terraço e via os autocarros a despejar gente na paragem. Às vezes, na rotina daqueles dias sempre iguais, ficava a pensar no que todas as raparigas pensavam : o que seria a nossa vida se falhasse esse encontro com o rapaz por quem nos íamos apaixonar?