Crónicas

Mil cacos de informação...

A importância de fazer uma seleção criteriosa das fontes da informação é mais necessária que nunca, até porque vivemos numa era em que muitas pessoas colocam ao mesmo nível um desabafo numa rede qualquer, carecido de verificação dos factos, e uma notícia publicada num diário

Depois de Bollywood, Portugal prepara-se para conquistar uma fatia importante da produção cinematográfica de Hollywood. Realmente o nosso país está repleto de casos que podem servir de inspiração tanto a comédias, como dramas, terror, romance ou até mesmo filmes policiais entusiasmantes, onde por vezes o bandido escapa com toda a impunidade, semeando aquele sentimento de vingança e de justiça popular que muitos acalentam depois de verem defraudadas as suas expectativas.

Para além da tela de cinema, a inspiração pode espalhar-se para canais tão populares como o Youtube, onde é possível aprender a cozinhar, a fazer habilidades dignas de um MacGyver, a construir uma arma ou ficar, simplesmente, a olhar para coisas tão absurdas como tinta a escorrer numa parede.

Não há limites para a imaginação quando os focos de inspiração abundam diariamente, principalmente quando somos bombardeados por esta nova forma de fazer política, em que as redes sociais são imbatíveis a espalhar a palavra, onde vemos diversos protagonistas da classe aspirante a mandar, a concentrar as suas atenções em assuntos de somenos importância para atingir aqueles que realmente mandam.

A importância de fazer uma seleção criteriosa das fontes da informação é mais necessária que nunca, até porque vivemos numa era em que muitas pessoas colocam ao mesmo nível um desabafo numa rede qualquer, carecido de verificação dos factos, e uma notícia publicada num diário. Não há comparação possível, mas com a quantidade de informação que circula diariamente quando estamos conectados, começam a ser bem raras as pessoas que conseguem separar o trigo do joio.

Diz o ditado popular que “nem tudo o que brilha é ouro”, da mesma forma que nem tudo o que circula em jeito de informação é, de facto, informação credível, dentro de contexto e verificada por profissionais aptos a desempenhar as suas funções. Neste jogo de cartas que se centra mais na arte de baralhar para ver se passa, temos alguns players da classe política que descobriram uma autêntica fábrica de fazer passar mensagens provocatórias que vão ter seguidores, crentes e apoiantes. Não interessa o contexto, nem tão pouco a discussão. O importante é denunciar, criticar, apontar o dedo e fazer com que aumente consideravelmente o número de pessoas que espumam de raiva contra uma medida que foi tomada e cujos porquês não são tidos, nem achados.

Depois de terem vindo a público notícias e reportagens devidamente contextualizadas, verificadas e justificadas sobre as obras na cidade do Funchal ou sobre o encerramento de determinada rua, eis que, à boleia desses factos, saltaram logo para a praça pública alguns players da classe política, apologistas da velha máxima de “quem conta um conto acrescenta um ponto”, armados em guionistas de novelas mexicanas, ou fiscais de obras munidos de smartphones prontos a disparar a todo o momento.

Estes “visionários” da política, que também têm uma capacidade incrível de se convencerem que conseguem ler todas as mentes, apontam, criticam, reclamam e arranjam mil e um malabarismos para denunciar a existência de não assuntos, deitando por terra as expetativas dos que pretendiam ver mais elevação e mais ideias estratégicas em debate por parte daqueles que nos dirigem ou se propõem a dirigir.

De há uns tempos a esta parte, assistimos a discussões nada esclarecedoras geradas por esta estranha forma de fazer política que se preocupa mais com os grãos de areia, quando devia centrar as suas atenções nos calhaus que estão prestes a cair.

As prioridades inverteram-se numa época em que fomos assolados por uma “Supernova” que, tal como a estrela, prometia uma explosão brilhante dando a ideia de criação quando, na verdade, encontra-se no final de vida.

Não é fácil acompanhar a quantidade de informação que advém da tal “politiquinha” explorada incessantemente por uma classe de dirigentes que, se calhar, deixou de pensar em grande. Também não é fácil fazer uma triagem rigorosa entre o que é factualmente comprovado por profissionais da informação e aquilo que é o bota abaixo ou o absurdo só porque sim. Só porque alguém decidiu partilhar numa rede social que o atropelamento fatal da formiguinha provocou o nascimento de um bezerro de cinco cabeças e essa preciosa “informação” mereceu 400 comentários a desejar as maiores felicidades à progenitora e as condolências à família da defunta.

Ezio Mauro, no diálogo mantido com Zygmunt Bauman que deu origem ao livro “Babel, Entre a Incerteza e a Esperança”, afirmou que há uma “diferença entre olhar e observar, assim como entre saber e entender. Ser exposto à informação – mesmo que com frequência, em toda parte, e talvez de modo involuntário – não envolve automaticamente compreender uma situação”, principalmente quando existem várias formas de jogar as cartas em cima da mesa, baralhando para voltar a dar, num “mundo sem contexto”, onde “mil cacos de informação nada acrescentam ao conhecimento”.

Por isso, considera, “se a rede sacia a sede de informação como nenhuma outra fonte, o bom e velho jornal satisfaz a fome de conhecimento, funcionando como uma rede de conhecimento”. E perante os tais “mil cacos de informação” com que somos bombardeados sempre que estamos contectados, há que ter a tal “fome de conhecimento”, associada à capacidade de parar para pensar, questionar a qualidade daquilo que estamos a consumir e “resistir à falsa mágica das palavras do Poder”.