Crónicas

Machico em mim...

Dizem que quando saímos de um lugar, deixamos lá sempre um pouco de nós. Eu gosto de pensar que essa parte completa-se com o que trazemos desse lugar cá dentro

No dia em que se pôs pela primeira vez a hipótese de criarmos a nossa sede no Fórum Machico e partir dali para o Mundo num projecto de multiculturalismo alicerçado nos países atlânticos de Língua Portuguesa percebemos que era este o caminho que devíamos seguir. Como devem calcular pus-me de imediato no terreno para tentar perceber o que as pessoas achavam da terra, que sugestões me davam e se nos aconselhavam a alimentar este feeling que se apoderou de nós mal tivemos contacto com a realidade. Não sei se imbuídos do espírito que alavancou a chegada dos descobridores à ilha, precisamente por esta porta, talvez transpondo para os nossos objectivos esta férrea vontade de descobrir, de ir mais além, de unir povos e culturas. O que sei é que a vontade ficou e hoje, ao olhar para trás sinto que já valeu a pena e que não seria a mesma coisa noutro lado qualquer.

Dizem que quando saímos de um lugar deixamos lá sempre um pouco de nós. Eu gosto de pensar que essa parte completa-se com o que trazemos desse lugar cá dentro e nos acompanha para o resto da Vida. Sempre fui uma pessoa de aventuras, ao estilo dos livros de banda desenhada da minha personagem preferida, Corto Maltese, também ele um viajante sonhador, apaixonado pelo imaginário e pela liberdade. Foi por isso sem pensar duas vezes que aceitámos este desafio, mesmo com muitas vozes a dizer que não devíamos ir por ali e pessoas a “engelhar o nariz”. Machico é isto, os machiqueiros são aquilo, as vozes do contra do costume. Não sei se fui eu que tive sorte ou se aquilo que me diziam não correspondia à realidade, o que eu sei é que fui muito bem recebido e que sempre que me afasto sinto que me afasto por mais tempo do que devia.

Talvez a praia refletida no mar, ou os acordes das ondas a rebentar na maravilhosa Baía me tragam à memória histórias que ainda nem sequer concretizei. O suave e perfumado cheiro do futuro. Gosto da forma como o Sr. Gonçalves me trata sempre que lá vou almoçar e da companhia que me faz mesmo andando para lá e para cá quando o faço sozinho. Da palavra charmosa, do apontamento bonacheirão sem ser intrusivo. Gosto do Sr. Alfredo que tem sempre uma palavra amiga e de apoio sincero quando faço questão de tomar religiosamente o pequeno almoço no “Galã” mesmo tendo essa refeição incluída na diária do Hotel. Gosto de conversar com a Nídia e da delicadeza do Ismael por trás do seu ar “heavy-metal”. Gosto das pilhas intermináveis da Zita e do espírito positivo que emana dos que me rodeiam. Gosto das pessoas que vejo por lá e que vou conhecendo a cada passagem. Dos bons dias na rua e até de dois ou três vizinhos que me olham sempre com ar carrancudo e desconfiado quando passo com um sorriso e lhes digo olá!

Quando passeio à noite sozinho pela marginal para sentir o sabor do silêncio adoro passar pela rua empedrada, que me trás da pastelaria até às traseiras do Fórum. É ali que penso vezes sem conta que se Shakespeare tivesse conhecido a Lenda de Machim talvez “Romeu e Julieta” tivesse tido uma segunda história. São os amores proibidos como nos conta a lenda que se traduzem na nossa capacidade de superação, na vontade que temos em atingir aquilo que parece impossível e que por vezes nos tentam negar. Machico é para mim tudo isto, talvez por isso cada vez que vejo o seu nome escrito ou que pronunciam a palavra ao meu lado, sinto que o meu corpo se contrai e o sorriso se deita bem esplanado na esteira da minha cara. Faço contas ao calendário para lá voltar e tanto faz que seja Inverno ou Verão, que faça chuva ou o que o habitual sol irrompa pelas janelas do Fórum e só pare lá ao fundo no Piano. Porque é de música que falo. Das saudades que tenho só de estar e do som que me acalma e me traz para mim. Quando dei por mim já era amor.