Crónicas

Festas de anos

Eles são reais, sabem quem eu sou e partilhamos esse território cada vez mais habitado por saudades e fantasmas.

Janeiro é o meu mês, aquele em faço anos e eu gosto de fazer anos, de tudo o que envolve e, nisso, sou tal e qual como era aos oito, aos 10, aos 20. Gosto de acordar com aquela sensação boa de que é o dia de partir o bolo e soprar velas, com a ideia de que talvez me ofereçam uns livros ou umas roupas dos saldos, mas o melhor é saber que os amigos não se vão esquecer.

O meu irmão talvez se baralhe e é possível que o meu pai troque as datas. Os homens não são bons a fixar aniversários, só que isso faz parte do dia e não lhes levo mal a confusão. E, no momento em que a minha família é cada vez mais um lugar de memória, tê-los por aqui é bom, é uma sorte queixar-me dos defeitos, dos esquecimentos.

Eles são reais, sabem quem eu sou e partilhamos esse território cada vez mais habitado por saudades e fantasmas. A lembrança da minha mãe, das tias, das casas cheias e dos jardins bonitos e até das minhas festas de anos, daquelas festas de anos sem palhaços ou insufláveis, sem esse admirável mundo dos aniversários das crianças. Nem sei se os ricos tinham festas dessas.

Eu lembro-me do bolo de laranja, das azeitonas verdes, do queijo aos cubos em pires na mesa do quarto de jantar e com palito em cima, da brisa maracujá e da meia dúzia de miúdos a correr pela fazenda na casa do Laranjal, coberta pelas flores amarelas das azedas. Fazia-se ao domingo nos anos bons, quando o meu pai tinha obras. Nos outros, a minha mãe dava um jeito, fazia um bolo e metia-me 100 escudos na mão para comprar um gelado na escola.

E foi a soma de todos esses dias que me fizeram, sou quem sou pelas correrias fazenda abaixo, pelo gelado e o cinema na adolescência, pelos jantares na faculdade, pelos amigos, pelas pessoas que quem gosto, as que ainda aqui estão e as outras, que a vida é assim mesmo, aproxima e afasta, traz e leva e volta a trazer.

Gosto de fazer anos, quase esqueço que estou a envelhecer e, por fora, sou cada vez menos como a miúda das fotografias, mas isso é por fora. Por dentro, estou na mesma e espero o mesmo: um bolo, quem sabe até o queijo aos cubos e o carinho, o calor que nos dá ser lembrado.