Crónicas

Atrás do tempo, tempo vem

O mais dramático

A água de giro não chega há 5 semanas e Tomé não sabe como vai tirar da terra a sua subsistência. Nasceu na fazenda, ali foi criado e dela sempre tirou uma parte dos alimentos que o vão segurando na vida. Só que nos últimos anos, socorre-se cada vez mais do supermercado para adquirir produtos agrícolas vindos do estrageiro. As coisas mudaram, não há água, e plantar alguma coisa no final do verão e fazê-la brotar é coisa difícil nas terras secas. Apenas a pitangueira que antes só dava frutos no calor, agora rebenta todo o ano. Tomé ouve na televisão falar das alterações climáticas e não podia estar mais de acordo. Já não temos as 4 estações e o calor aperta quando já devíamos estar com algum frio. Assim não há semente que resista. Mais a baixo, na fajã, Vasco tem visto aparecer nos nossos mares alguns peixes que não se conheciam nas nossas águas. A xama é agora abundante e a canela, peixe que conheceu noutras paragens como garoupa de Angola, começa a aparecer com frequência nos anzóis. Outras espécies tradicionais vão rareando e não é do excesso de pesca. Vasco sente também, a erosão costeira, pois as marés altas estão a chegar cada vez mais perto da sua casa. Tomé e Vasco são testemunhas e vitimas das mudanças no clima que assolam todo o planeta. Não é um problema que ocorre longe e que atinge outros, é coisa que começamos a sentir no nosso quotidiano.

Os grandes incêndios dos últimos anos e os temporais de 2010 e 2013 na Madeira, revelam que que o clima, tal como a política, está a extremar-se e que vamos ter verões prolongados, com grandes ondas de calor e ventos fortes e invernos menos frios, mas com tempestades e picos de pluviosidade muito intensos, para os quais não estamos, minimamente, preparados. Comprovam-no as tragédias na região, mas também os incêndios catastróficos deste ano no continente, como os desta semana, com perda de vidas e prejuízos incalculáveis.

Infelizmente, ainda, há muitos, a começar pelo presidente dos Estados Unidos que negam as evidências e os alertas dos investigadores e cientistas. Outros, muito muitos mais, estão avisados, mas pouco fazem para inverter esta dramática situação que, ao contrário do que se previa, não será vivida pelos nossos descendentes, mas já está em cima de todos nós.

Um estudo divulgado recentemente pela Universidade de Stansford, na Califórnia, alerta que estamos a assistir a uma extinção em massa de vida na terra, com uma “aniquilação biológica” da vida selvagem, já que mais de 30 por cento das espécies de vertebrados estão em declínio, tanto na população como na distribuição geográfica. Os cientistas garantem que este é um prelúdio do desaparecimento de muitas outras espécies e da degradação que torna possível a nossa civilização. Por outro lado, um relatório das Nações Unidas, de há 3 meses, conclui que 884 milhões de pessoas em todo o Mundo, maioritariamente em África, não têm acesso á agua potável, a saneamento básico e a tratamento de esgotos, o que constitui um drama humano, com as doenças a matarem, por ano, 360 mil crianças com menos de 5 anos. A ONU fala, também, numa perigosa contaminação do ar, água e solos de consequências muito graves para um desenvolvimento sustentável.

Um outro estudo, recente, envolvendo 10 mil europeus revelou que a maioria está preocupada com os efeitos das oscilações climáticas, em particular nos oceanos, mas acham que o pior já aconteceu e, mais preocupante, acreditam que os humanos só parcialmente contribuíram para essas alterações no clima. Quando assim é, dificilmente, os governos ganham coragem para tomar as medidas que se impõem, pois não sentem a pressão dos movimentos sociais e dos cidadãos. Curiosamente, as pessoas mais conscientes e mais preocupadas, são as que vivem perto do mar, as mulheres, os mais velhos e os habitantes dos países do sul da Europa. Por estes lados, a Estratégia de Adaptação da Madeira às Alterações Climáticas, identifica vários impactos e vulnerabilidades do arquipélago, como o aumento da temperatura, a diminuição da precipitação, a redução significativa dos caudais das nascentes, a subida do nível do mar, a ameaça de cheias, o aumento do risco de incêndios, a ocorrência de deslizamentos, o aparecimento de novas doenças transmitidas por vetores (mosquitos), as novas pragas na agricultura e na floresta e a redução da biodiversidade, e estabelece um conjunto de políticas, objetivos e medidas para monitorizar e mitigar as variabilidades do clima no meio regional. O mais dramático é que há muita gente a duvidar ou a menosprezar estas mutações climáticas e aquilo que cada um de nós deve fazer para reduzir o consumo energético, baixar as emissões de gases, fazer decrescer a poluição e minimizar todos os riscos associados ao “novo” clima. O tempo é de convencer e envolver todos na batalha pela sobrevivência!