Crónicas

As gripes não são boas pelo Natal

O mundo resume-se ao canto do sofá, às caixas de medicamentos abertas em cima da mesa da cozinha e aquela saudade de ter alguém a tratar da vida por nós

Há uma semana estava estendida ao sol, a aproveitar o calor fora de tempo e agora estou no sofá com o nariz entupido e uma tosse que me atormenta e faz eco dentro da cabeça. Se a minha mãe fosse viva haveria de me dar uma lição, a explicar o óbvio, que o sol de Inverno é traiçoeiro, só serve doenças e para ajudar nas limpezas, é assim uma espécie de oportunidade para lavar cortinas e tapetes, pintar as paredes com bolor e limpar gavetas e móveis.

Mas eu não sou a minha mãe, não tenho metade daquele sentido prático e achei de melhor proveito uma manhã de sol e um banho de água fria do que me perder em trapalhadas domésticas, de correr contra o tempo e meter-me em trabalhos. Fiz de cigarra e aqui estou, enrolada no sofá, com uma tarde clara lá fora e gente na rua, nas compras ou à conversa na placa central de volta de uma poncha ou, quem sabe, a dar voltas nos carrinhos eléctricos ou a virar o estômago no martelo do parque de diversões.

Quem sabe se a correr para os jantares do trabalho, dos amigos, dos amigos do ginásio e do mais que agora inventam por ser Natal e ter piada conviver entre o bufete e uns copos, que dá jeito para umas selfies e umas piadas no Facebook. E eu aqui a paracetamol, ibuprofeno e a rebuçados para a garganta, sem a parte boa da canja e do carinho da minha mãe, que, às vezes, até sabia bem estar doente. Lembro-me dos abraços que nos dava, que ia passar, era coisa de esperar e ter paciência. Sem mãe, sem aquela voz que operava milagres, uma gripe é apenas uma gripe, com arrepios de frio, dores no corpo e a cabeça pesada.

O mundo resume-se ao canto do sofá, às caixas de medicamentos abertas em cima da mesa da cozinha e aquela saudade de ter alguém a tratar da vida por nós, de faltar às aulas e não ter problemas por isso e de ainda receber bombons, uma boneca ou um livro para animar. O meu pai e a minha tia Teresa faziam-me isso muitas vezes e eu tive muitas gripes, muitas dores de dentes, de garganta e de ouvidos. Às vezes doía tanto que me agarrava com força, que fazia força para passar, a minha mãe dizia que ajudava.

Mas as mães contam mentiras só para ajudar, a minha fazia isso e dava-me jeito que estivesse aqui, não faria diferença que fosse uma velhinha de 82 anos. Não iria reparar que não vou para nova, seria ainda a menina, a quem faria uma canja e bolos, a quem daria um daqueles abraços, a quem iria ligar a gambiarra do pinheiro, pois o piscar das luzes faz bem, tem um quê de casa, de conforto e ajuda a adormecer e dormir é bom para o efeito dos remédios.

O sol está a pôr-se para os lados de Câmara de Lobos, é um fim de tarde frio e daqui a nada, nas ruas e nas varandas, as gambiarras ligadas vão anunciar que estamos quase na Festa. Não sei se é da gripe ou apenas por ser o mês do Natal, mas este ano tenho sentido a falta da minha mãe, mais do que é habitual, mais do que ausência dos últimos 23 anos. Vou ligar as luzes do pinheiro, enroscar-me no sofá e nas memórias e esperar pelo efeito dos medicamentos para respirar melhor, talvez ajude a tirar o peso das saudades.