Crónicas

Abril deu-nos a liberdade e em Novembro escolhemos a democracia

1. Livro: é sempre muito bom entrar no mundo de Gonçalo M. Tavares. “Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do seu Pai” anda à volta de Hanna, uma criança que transporta consigo Trissomia 21. Quem a ajuda é Marius que também está perdido, embora o não saiba. Leio tudo o que consigo de Gonçalo M. Tavares e tenho mesmo a presunção de que será o nosso próximo Nobel.

2. Disco: já viu a luz do dia, o novíssimo dos Coldplay. “Everyday Life” é uma agradável surpresa. Há como que uma espécie de reinvenção da banda, um aventureirismo de que se não estava à espera. Um trabalho de grande fôlego, dividido em dois: “Sunrise” e “Sunset”. O amor (sempre presente), a guerra, o racismo, a violência, a fé (ou a falta dela), a amizade, são alguns dos temas que podemos encontrar nas músicas que constituem este denso e interessante trabalho.

3. Entrar na Loja do Munícipe. Tirar a senha. Sentar e esperar. Ouvir a chamada ao balcão correspondente. Levantar-se e dirigir-se ao mesmo. Contar ao que vamos. Não é ali que se resolve o assunto. Ser dirigido a outro balcão, mas vá lá que mantemos a senha. Sentar e esperar. Voltar a ouvir o número e ir para o novo balcão. Explicar novamente o assunto que ali nos leva. Longa conversa intercalada com inúmeras chamadas para colher informação. Em consequência, requerimento entregue. Dada entrada do dito cujo. Informado do valor da taxa a pagar, sacar da carteira e colocar o dinheiro para o pagamento. Que não é ali, mas num balcão de pagamento. Vá lá que mantemos a senha. Sentar e esperar. Voltar a ouvir o número e ir para o novo balcão. Voltar a contar a história toda, agora à luz das novas informações. Acertado valor a pagar. Euros colocados sobre o balcão. Funcionária não consegue fechar o pagamento, por causa de uma data qualquer que teima em aparecer no ecrã e que impede que se feche o procedimento. Pagamento efectuado depois de a funcionária ter feito três chamadas, recorrido aos colegas todos que tinha à mão, se ter deslocado “lá dentro” para “falar com a Doutora”. Ir ao edifício principal da Câmara mostrar o papel do pagamento. Ser informado que, afinal, ainda falta pagar mais uma coisa. Voltar à Loja do Munícipe. Tirar a senha. Sentar e esperar. Ouvir a chamada ao balcão correspondente. Levantar-se e dirigir-se ao mesmo. Contar ao que vamos e fazer pagamento daquilo que faltava. Voltar ao edifício da Câmara para mostrar mais um papel do pagamento. Ser informado de que o documento necessário como comprovativo demora mais de uma semana. Perante o ar de admiração, dispõem-se a passar um provisório. Ao pedido de que, se não der muita maçada, o façam, mandam passar no dia seguinte, pois o documento tem que ir a A para verificação, passar por B para ser assinado e, finalmente, ir a C para levar carimbo e dar saída.

Muito obrigado a todos os que tiveram paciência para ler isso tudo até ao fim!

4. O que escrevo a seguir é uma adaptação de um texto, de autor desconhecido, que apanhei na ‘net’. Os números podem não estar muito certos, até porque os arredondei, mas sou como o Guterres: “Ah... São... O produto interno bruto é cerca de 3 mil milhões de contos. Portanto. Ahhh. Ora 6% de 3 mil milhões... Seis vezes três 18... Um milhão e... ah... Ou melhor... Enfim, ah, aah... É fazer as contas.”

O importante é que as pessoas retenham a ideia.

Então, é assim...

Alguém foi à empresa onde trabalho e pagou, por um serviço prestado, a quantia de 1.220€. Esse serviço custou à empresa 750€... o Estado arrecadou 280€ de IVA e a empresa teve 190€ de lucro. Com esses 190€ a empresa aproveitou para pagar-me parte do ordenado.

O Estado recebeu da minha parte 20,90€ para a Segurança Social e nem vamos aos 23,75% da TSU a pagar pela empresa senão a conversa acabava já aqui.

O Estado fez retenção de 10% para o IRS ... mais 19€. Maravilha... eu ainda tinha 150,10€...

Como estava sem combustível, fui pôr 30 litros de gasóleo que lá terá de me dar para o mês inteiro. Gastei 37,86€ e fiquei com 112,24€. O Estado arrecadou mais cerca de 27€ de IVA e ISP sobre o combustível que comprei.

Fui às compras ao supermercado e gastei o que me restava em bens alimentares... Não fiquei com nada, mas o Estado arrecadou mais, em média, 19€ de IVA.

Neste pequeno ciclo, o Estado arrecadou nada mais, nada menos, do que 365,90€, dos quais, 85,90€ dos 190 que recebi.

O Estado absorveu cerca de 51% das mais-valias geradas nesta pequena amostra.

Tudo seria muito mais complicado se o cliente em causa fosse o Estado porque a empresa iria demorar imenso tempo para receber a factura, mas claro, teria de entregar o valor do IVA do que este não lhe pagou e para mim, obviamente, não haveria dinheiro.

A mim, sobrou-me zero, à empresa sobrou zero, e o estado encaixou 358,72€ sem fazer nada.

Temos um sócio maioritário à força. Que nada produz, apenas retira dividendos e se mete constantemente na nossa vida.

Mas está tudo bem. O pessoal continua impávido e sereno. O Jesus ganhou a Libertadores e, no próximo fim-de-semana, recomeça o campeonato.

Temos o que merecemos.

5. Aqui há coisa de três semanas, alertei nestas páginas para o facto de ainda não se ter regulamentado a lei que prevê que os madeirenses, ao viajarem de avião, paguem só os 86€ que é a sua parte a pagar pela mobilidade. 15 Dias depois, os deputados do PSD na Assembleia da República acordaram para o assunto. Não tenho a presunção de ser lido pelos Srs. deputados e, também, já deixei de ter a veleidade de pensar que sou lido por alguém do PPD-CDSD. Aliás, a partir de hoje, deixo de ter a veleidade de ser lido... e ponto!

PS: 15 dias, em política, é muito tempo!

6. Para quem não sabe, o Observatório Oceânico é o mais importante organismo, ligado ao mar e à sua economia, que há na Madeira. Funciona no âmbito do ARDITI, outra importantíssima “think tank” madeirense.

Se há quem pense a Madeira sob uma perspectiva científica e que estude com afinco, dedicação, conhecimento e clareza, são estas duas entidades.

Como é possível um secretário deixar ser notícia que uma entidade desta importância, e que faz parte da sua área de intervenção, corre o risco de fechar por falta de verbas? Fico com a impressão de que o Sr. Secretário do Mar foi visitar o Observatório do Oceânico sem saber ao que ia. E isso é muito triste e revelador.

7. Ficámos todos a saber, finalmente, que a Operação Ferry caiu. Melhor dizendo, ao logro da Operação Ferry caiu-lhe a máscara.

Digam o que disserem, estrebuchem o que quiserem, finjam indignação, dêem murros no peito ou chicoteiem-se nas costas, culpem Lisboa, não vão convencer-nos de que tudo isto não estava já cozinhado, desde o início, para ser assim. Deu jeito esfregar o ferry nos olhos dos madeirenses, durante o último ano e meio, com propósitos meramente eleiçoeiros. Agora lixem-se!

Estamos a falar de dinheiros públicos. De dinheiro de todos nós, os contribuintes. Temos de exercer a nossa exigência de ver esses dinheiros bem geridos e ainda melhor gastos. No mínimo, exige-se uma imediata auditoria a este processo, de modo a que tudo fique claro. Uma auditoria, efectuada por uma entidade independente, que ponha a claro este gastar de 6 milhões de euros. Temos o direito de saber o “quem, como, quando, onde e porquê” deste negócio, agora rescindido.