Crónicas

A Tentativa e a Tentação

Ao Governo Regional pede-se firmeza na negociação, não abdicando dos ganhos conseguidos

A Madeira não deve querer, nem aceitar substituir o Estado na administração e no processamento do subsídio de mobilidade. O cumprimento do princípio da continuidade territorial é uma incumbência da República e da União Europeia e são estas entidades, com o apoio da Região, que devem encontrar os mecanismos para reduzir os constrangimentos da insularidade e da ultraperiferia e facilitar os mecanismos de mobilidade de pessoas e bens entre as ilhas e o espaço continental. Na negociação que ora decorre, parece ter havido a tentativa do Governo Central de encaminhar para a Madeira a gestão do subsídio de mobilidade, com financiamento mais reduzido do Estado de 34 para 15 milhões de euros por ano, e a tentação do Governo Regional de aceitar o repto, chamando a si os poderes de implementação do processo. Nada mais errado, pois isso desresponsabilizaria o Estado de uma das suas tarefas essenciais que é assegurar deveres e direitos iguais a todos os portugueses e oneraria gravemente o Orçamento regional. É ao Estado que compete suportar os custos de insularidade e da mobilidade dos ilhéus, assim como paga à CP, à Carris e à Transtejo vultuosas indemnizações para assegurar os transportes dos cidadãos no território continental. Por outro lado, o Estado é acionista da TAP e detém perante outras companhias um poder negocial que a Região não terá, para introduzir mais concorrência nas rotas de e para a Madeira e para desenhar um modelo de mobilidade justo e acessível para os portugueses das ilhas.

O atual modelo é claramente melhor para os madeirenses e porto-santenses do que o anterior, e o relatório do Grupo de Trabalho a que presidi na Assembleia da República prova-o pelos números: até 2015, cada residente desembolsava, em média, 230 euros para uma viagem de ida e volta a Lisboa ou Porto, já com o subsídio estatal de 60 euros, e hoje faz o mesmo percurso por 86 euros, caso a passagem não ultrapasse os 400, o que acontece em 95 por cento dos casos. Para além disso há muito mais gente a viajar e com maior frequência o que demonstra maior facilidade na mobilidade.

Os problemas do atual modelo são os seguintes: a fixação do teto de 400 euros para as viagens levou as companhias a subir os preços para próximo desse valor em muitas alturas do ano o que fez duplicar os custos para o Orçamento do Estado; a TAP vale-se da sua posição dominante para abusar nos preços sem que se veja atuação da entidade reguladora; nos picos de tráfego, em particular no Natal e na Páscoa, as passagens atingem valores exorbitantes, o que prejudica sobretudo os estudantes, daí a solução mitigada do voos charter; o pagamento com cartão de crédito leva a que o cidadão só possa receber o reembolso 60 dias após a viagem; os valores para mudar de voo são muito penalizadores e, finalmente, o problema maior é o residente ter que adiantar o valor total da passagem para depois de a efetuar ser reembolsado, o que impede e dificulta a mobilidade das famílias de menores rendimentos. Se houver vontade política e cooperação institucional, não será difícil aperfeiçoar este modelo e encontrar uma forma de o residente pagar apenas os 86 euros, cabendo depois ao Estado acertar com as companhias ou com outra entidade o restante valor da passagem. Quanto aos estudantes, a atribuição de três viagens de incentivo anuais por parte do Estado, garantia o seu regresso às ilhas nas alturas festivas e de férias e evitaria todos os constrangimentos porque têm vindo a passar. Resta a questão financeira: como reduzir os custos do subsídio de mobilidade que duplicaram e poem têm tendência a crescer? Aqui, compete ao Estado intervir, não para condicionar, mas para regular e incentivar mais concorrência nas rotas de e para a Madeira, levando a uma descida dos preços e consequentes poupanças de custos no subsídio orçamental. Ao Governo Regional pede-se firmeza na negociação, não abdicando dos ganhos conseguidos com o atual modelo, e exige-se soluções para uma melhor mobilidade dos nossos cidadãos. Se, mesmo assim, não for possível um acordo, estou certo que a magistratura de fluência e de influência do Presidente da República, resolverá o assunto, até porque o Chefe do Estado é o garante do cumprimento dos princípios constitucionais e dos direitos de todos os portugueses, incluindo os das ilhas.