Crónicas

A soberba e o DHIP

Dizem que o dinheiro transforma as pessoas, mas o poder fá-las por vezes perder a lucidez e a sensatez.

“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente” - esta frase muito conhecida de Lord Acton deve ser sempre recordada a quem exerce cargos de chefia, numa empresa ou na esfera pública, sejam eles nomeados ou eleitos. E quando aqui se fala de corromper, não se trata, apenas, do que hoje é tipificado como um crime, normalmente ligado a troca de decisões por benefício financeiros, trata-se, também, da perda de valores e de princípios e das transformações que a conquista do poder e o seu exercício opera na cabeça e na personalidade de muito boa gente. A humildade dá lugar à arrogância, a proximidade é trocada pela distância, o diálogo é substituído pelo grito, a moderação cede à soberba. Como se sabe, esta situação não é um exclusivo da política, pois na minha vida profissional, como subordinado ou como chefe, pude testemunhar esta realidade que parece ser da natureza humana. Dizem que o dinheiro transforma as pessoas, mas o poder fá-las por vezes perder a lucidez e a sensatez. É evidente que há exceções, mas, infelizmente, são mesmo para confirmar a regra.

Nos últimos tempos na política madeirense, na maioria e nas oposições, no governo e nas autarquias, têm aparecido algumas “espécies”, que alcandoradas, pelo voto ou pela traição, a certos lugares de relevo, se acham imbuídas de um sentimento de quase poder divino que as leva a afastarem-se dos seus antigos companheiros, amigos e até antigos lideres. Criam uma corte de serventuários e vivem numa redoma, indiferentes ao que se passa à sua volta e esquecidos daqueles que lhes deram a confiança. Confundem fidelidade canina com lealdade, esperteza saloia com inteligência e vão alimentando a ambição dos seus cortesãos com promessas de lugares e favores para quando chegar “aquele dia”. Não conhecem e, portanto, não dão a conhecer aos apaniguados o Princípio de Peter e o imperativo de escolher os melhores e os mais competentes em vez dos fiéis e dos seguidistas. O problema é que no dia em que chega “aquele dia”, caiem em si, abandonam os “amigos”, partem para outra, e deixam um rasto de destruição e de traição no caminho. Cai-lhes a máscara que levou muitos anos a moldar e o povo, mais cedo que tarde, apercebe-se e rejeita a farsa e os farsantes. O que lhes falta de humildade e sinceridade sobra-lhes em vaidade e ambição. Falta-lhes DHIP- Dimensão Humana, Intelectual e Política para estarem ao serviço da causa pública e do bem comum.

Curiosamente, isto acontece depois de quatro décadas de poder absoluto de um só partido e de um só homem, progressivamente rejeitado pelas pessoas, e de 4 anos em que se proclamou, em diferentes setores políticos, uma renovação e uma mudança de atitudes e de comportamentos. Foi sol de pouca dura, pois que logo que se viram com algum poder na mão toca a fazer o que antes tanto criticaram nos outros. Nas campanhas são sorrisos e beijos, abraços e promessas, depois parecem esquecer tudo e passam a olhar de cima para baixo ou de soslaio para os que não têm voz, nem poder de decisão. É vê-los, distanciados da realidade, e apenas dependentes de sondagens encomendadas a gosto do freguês e da contagem de partilhas e de likes dos seus posts nas redes sociais. Sabem tudo, não ouvem ninguém, e do alto da sua jactância arrotam verdades absolutas. Lidam mal com a diferença e odeiam o pluralismo. Cultivam o seguidismo e adoram ser idolatrados.

A política passa a ser um jogo de interesses entre os que mandam nalguma coisa, estejam na governação ou na oposição. Aos mais novos, que andam nestas lides da política já a fazer farsa e com alguns tiques de soberba, é de aconselhar que ponham os olhos em quem já teve altos cargos de responsabilidade na terra e no país e hoje é ignorado e, nalguns casos, humilhado.

Comecei o meu percurso político numa juventude partidária, e tenho muito orgulho nisso, mas tenho que concordar com aqueles que dizem que, hoje, algumas dessas organizações, que não a do CDS que conheço bem, estão transformadas em “escolas” de carreirismo e de procura de emprego em vez de serem locais de formação e de aprendizagem de valores e de respeito pelas diferenças. Vejo por aí alguns dirigentes dessas juventudes, armados em importantes, como se já soubessem tudo e fossem capazes de assumir altos cargos quando não têm o mínimo de experiência ou de competência para exercê-los. Tenham juízo, estudem, procurem uma profissão, trabalhem e depois venham servir a causa pública!

Sic Transit Gloria Mundi. O poder é efémero, a glória é passageira, e isto em Democracia muda rapidamente porque o povo é soberano. Portanto recomenda-se Humildade e Responsabilidade a todos.

A soberba na vida é um erro; na política é uma desgraça.