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Vinte de vinte e um

A natureza insular será ainda um constrangimento ou, pelo contrário, uma oportunidade e vantagem?

Uma das perspectivas mais comuns, mesmo que sem sentido, é a de que o tempo passa a correr, como se, durante algum tempo, o tempo andasse mais depressa, ou o inverso. Essa percepção atinge novos e velhos, pelo que não depende exclusivamente da idade do observador. Tem mais a ver com as circunstâncias, as situações, os momentos, vividos ou pelos quais se passou, sem dar por isso ou de forma intensa. A memória, que tanto lembra como esquece, faz o tempo mudar de tempo, dando-lhe o ritmo e o sentimento que, aí sim, cada observador queira medir em função das suas vivências e expectativas. E isso acontece tanto individual como em grupo, dando, neste caso, sentido à dita memória colectiva, na qual elementos de significado social se recordam, consolidam e alinham, podendo chegar a fazer-se história, ou apagar-se, mesmo na dita memória colectiva.

As últimas décadas do século passado, na Madeira, foram um tempo de aceleração e transformação profunda de uma realidade que hoje quase desapareceu da memória dos que a viveram e que nunca chegará a ser entendida pelos que não a tiveram que experimentar. Estamos, por isso, num tempo raro, irrepetível. Tempo igual e vivido por dois grupos com parte de um futuro comum e um passado distinto. Uns e outros a viver o mesmo tempo vendo o mesmo futuro a partir de passados diferentes, circunstâncias que ditarão se, afinal, isto vai mais depressa ou nem por isso.

Olhemos para o tempo comum, o vivido em simultâneo, por uns e por outros e o que nele aconteceu e que sentido terá gerado nuns e noutros porque, afinal, já se passaram vinte anos de Século XXI. Estes vinte anos foram suportados pela disponibilidade de meios, infraestruturas, equipamentos, informação, tecnologia, convívio, influência, exposição e comunicação com e num mundo que, também tendo mudado, fez diminuir a distância e o isolamento que durante séculos condicionou, de modo determinante, as oportunidades de quem, por sorte, ou azar, nascesse numa pérola no meio do Atlântico. A natureza insular será ainda um constrangimento ou, pelo contrário, uma oportunidade e vantagem? De que dependerá o resultado dessa avaliação? Não creio que se possa acrescentar nenhum item em particular para tal destino, a não ser, talvez, a educação, entendida como o instrumento formativo, individual e colectivo, que assegura a capacidade de conduzir o destino para o tempo que se pretenda. Mas há um tempo que não se controla, o tempo que passa e não espera, o tempo que se faz por si só, independentemente do que cada um faz com o seu tempo. Passados 20 anos sobre o início de um século em que temos o mesmo tempo que todos, torna-se imperioso mudar a forma como utilizamos o tempo e que sejamos capazes de perceber que os que nos propõem neste tempo está, absoluta e absurdamente, fora de tempo. Estamos nisto já há demasiado tempo, há vinte de vinte um, num século que, já se viu, não dá tempo a quem não quiser ou não souber perceber que o tempo é outro.

Parece persistir a incapacidade de perceber a realidade e a natureza transitória da mesma. O que se escuta, como proposta, o que se vê como prática, o que se vive, como inadequado, não está em linha com o tempo. E o tempo, que antes era do oito para o oitenta, reduz-se para um só passo, do vinte para o vinte e um, passo que se está à beira de perder.