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Uma flor na lapela

Andar com uma flor na lapela não é o mesmo que trazê-la no coração. Já algumas décadas se passaram desde que questões como as da igualdade, do combate à corrupção, do equilíbrio das contas públicas, do acesso aos cuidados de saúde, da necessária evolução na educação e, entre muitas outras, da defesa do ambiente e promoção da sustentabilidade, figuram nos programas eleitorais de todos os partidos, nas prioridades da informação tratada pelos órgãos de comunicação social e na linha da frente dos movimentos sociais. No entanto, apesar de tantas lapelas floridas, é um facto inegável de que todos estes aspetos importantes do funcionamento da nossa sociedade continuam encravados entre duas dimensões que teimam, como a água e o azeite, em não se misturar: a teoria e a prática.

Um dos aspetos que julgo conhecer bem, quer no que diz respeito à realidade atual quer à sua evolução ao longo do tempo, é o da sustentabilidade ambiental. Conheço todas as juras de amor que vêm sendo feitas desde há longa dada, conheço os planos e estratégias que visionaram um futuro (que hoje já é passado) maravilhoso, conheço as meas-culpas e arrependimentos pelo mal feito que no dia seguinte se fizeram em pecado reincidente. Conheço as ilusões e desilusões, também minhas, das euforias e das depressões pelas quais têm passado as preocupações ambientais ao longo das últimas décadas. Conheço todo este percurso de lindas flores na lapela. Mas, chegados aqui, o futuro não se cumpriu e o que de mais evidente temos são retrocessos, são problemas que se arrastam, são soluções adiadas, são pontos de interrogação no nosso futuro, mas, pior, também no nosso presente.

É difícil acreditar, depois de tantos anúncios não consumados, em mudanças vindas de cima para baixo, vindas de quem detém o poder, seja ele político, económico ou outro. Acredito, isso sim, na transformação da sociedade por si própria, nas pequenas mudanças que cada um de nós pode fazer, e vai fazendo, e no reflexo que isso tem na forma como todos vivemos, e como somos governados. De cima para baixo só vem propaganda, fazendo uso das dependências e, às vezes, inocências da própria comunicação social. Exemplo disso são os anúncios recentes de que a Madeira, no próximo ano, obterá 50% da sua energia através de fontes renováveis, graças ao sistema reversível associado à barragem do Pico da Urze, que está em construção no Paul da Serra, e a um banco de baterias, cujo concurso público para a sua aquisição foi anunciado recentemente. Na verdade, essas medidas poderão atingir metas de 50% em renováveis, mas apenas para a eletricidade, ficando muito longe da meta europeia de 20% em 2020 para toda a energia (é preciso não esquecer que mais de metade da energia que utilizamos na Madeira é para a mobilidade, que utiliza, quase em exclusivo, combustíveis fósseis). Atualmente, cerca de 30% da eletricidade na Madeira provem de fontes renováveis, mas quando falamos de toda a energia utilizada as renováveis andarão apenas pelos 10% (a nível nacional está próximo dos 30%, tendo já conseguido ultrapassar a meta europeia para 2020). Assim, com uns pozinhos de ignorância, a dose certa de meias verdades, e uma comunicação social ‘distraída’, é possível, mantendo-se no mesmo lugar, dar a ideia de que estamos a evoluir bem. E é mais uma flor na lapela que fica muito bem a quem a ostenta.