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Uma breve história do M-ITI

A investigação, tal como muitas outras atividades, depende essencialmente das pessoas

O M-ITI como unidade de investigação nasceu em 2009 de um grupo de investigadores que se autonomizaram do centro de ciências matemáticas da UMa. Este centro, que foi o único centro de excelência na Madeira durante muitos anos, tinha passado por um processo de avaliação internacional conturbado com o afastamento do seu líder e fundador. O grupo que originou o M-ITI unidade de investigação envolvia vários professores e investigadores entretanto atraídos e contratados pela parceria com a Carnegie Mellon. Foi este grupo que conseguiu ser avaliados independentemente e integrar o então laboratório associado Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico (agora Laboratório de Robótica e Sistemas de Engenharia – LARSYS). Muito deste processo se deve à visão e abertura de vários nomes incontornáveis da ciência em Portugal, Mariano Gago, Manuel Heitor, João Sentieiro e José Fonseca de Moura.

No final de 2009, já depois da eleição de Castanheira da Costa para Reitor da UMa, foi criado o M-ITI instituição privada sem fins lucrativos (M-ITI IPSFL) uma associação entre a UMa e o Governo Regional então na tutela da Vice-Presidência. O M-ITI IPSFL torna-se o primeiro e até hoje único instituto de inovação da UMa num modelo de organização arrojado proposto por Maria da Graça Carvalho na revisão dos estatutos da UMa de 2007. Os institutos de inovação pretendiam ser organismos transversais que ligavam a Universidade à sociedade e aos desafios económicos. Por essa razão deveriam ser constituídos em parceria com outras entidades escapando à lógica interna dos interesses académicos. Estes institutos deveriam também organizar a formação avançada (mestrados) porque nestes reside também a ligação às necessidades de qualificação da economia e das empresas. Em 2015 este modelo de organização da UMa foi alterado num novo processo de revisão de estatutos que transformou o modelo matricial proposto por Graça Carvalho (centros de competência, colégio e institutos) num modelo tradicional de faculdades. Neste processo o M-ITI ficou numa espécie de limbo estatutário tal como foi devidamente explicado aos membros do Conselho Geral da UMa então presidido por Francisco Costa. O M-ITI IPSFL continuou como instituto de inovação da UMa mas sem a responsabilidade da formação de mestrados acaba limitado à promoção de projetos de inovação (ligação às empresas). As dificuldades de manter uma estrutura destas sem capitais e receitas de formação é muito grande. As oportunidades de colaboração com o sector empresarial são limitadas e os financiamentos europeus competitivos não são fáceis de angariar, muito menos previsíveis. Apesar de todas as contrariedades, e sem receber financiamento direto dos associados, o M-ITI IPSFL tem capitais próprios positivos e acima de tudo uma equipa de gestão profissional e eficiente. Numa fase em que a gestão de fundos europeus é cada vez mais crucial para a economia ter pessoas experientes nestes domínios é um ativo muito importante. O M-ITI unidade de investigação manteve-se acolhida no M-ITI IPSFL sem que a distinção entre as duas entidades de clarifique. Professores da UMa ou investigadores doutorados contratados por projetos, alguns pertencentes a outras unidades de investigação, são envolvidos em decisões da unidade de investigação que deve ser autónoma por lei. O M-ITI, que foi criado para ser um refúgio das guerras académicas e provincianas, acaba envolvido numa confusão organizacional sem que os principais atores tenham capacidade para resolver um problema que não compreendem e que está longe das suas prioridades. O que deveria ser um ponto de encontro entre a UMa e o Governo Regional para a construção de projetos de interesse estratégico comum passou a ser uma faixa de Gaza onde um terrorista ocasional pode lançar o caos.

Durante este processo a experiência do M-ITI permitiu desenvolver no âmbito da ARDITI outras iniciativas igualmente importantes para a região. ARDITI, que foi criada a partir do CITMA para ser uma Agência Regional, nunca chegou a ver reconhecido este estatuto perante as entidades gestoras de fundos regionais. Provavelmente foi uma decisão acertada porque permitiu que funcionasse como entidade de gestão promovendo uma atividade que começou em 300 mil euros ano e agora está acima dos 5 milhões (dos quais só 500 mil são do OR). Foi através da ARDITI que se criou o outro “instituto de inovação” da Madeira. O Observatório Oceânico da Madeira (OOM) agrega um conjunto vasto de entidades regionais em torno de uma das áreas mais importantes para o futuro – os recursos e tecnologias do Mar. Tal como o M-ITI o OOM agrega unidades de investigação de âmbito nacional (MARE e IDL) em torno de um projeto de inovação de impacto regional. Nestas estruturas as unidades de investigação são fundamentais porque só elas, através da avaliação internacional independente, podem credibilizar e sustentar no longo prazo as atividades de inovação. Conceptualmente o OOM e o M-ITI são a mesma coisa. A diferença é que um funciona autonomamente no seio da ARDITI sem interferências na sua gestão científica, imune a guerras e interesses académicos autofágicos e acima de tudo isenta de interesses políticos. O ARDITI tal como o M-ITI passaram por três governos, duas tutelas e três reitores da UMa, nunca uma decisão científica teve intervenção externa.

A investigação, tal como muitas outras atividades, depende essencialmente das pessoas. São as pessoas que recrutam os investigadores, que escrevem os artigos e os projetos de financiamento, que dedicam uma carreira a um projeto em que acreditam. Tudo isto parece fácil e apetecível quando está criado, mas rapidamente se desvanece. Quem pensa que um projeto como o M-ITI se faz com favores e politiquices é porque nunca liderou uma unidade de investigação ou escreveu uma proposta de financiamento sujeita a avaliação. Dos fundadores do M-ITI em 2009 sobram três pessoas. Muitos deixaram a Madeira para seguirem brilhantes carreiras de investigação internacionais, desde a Europa, aos Estados Unidos passando pelo Chipre, a Coreia do Sul e a Austrália. Todas estas pessoas que foram fundamentais para a criação e desenvolvimento do projeto científico do M-ITI mantêm uma relação próxima de colaboração e carinho pelo que foi criado na Madeira. Fazem parte de uma rede internacional que sabe que a Madeira é mais do que um ponto perdido no meio do Atlântico. Este modelo é fundamental para uma região como a nossa, aberta ao exterior sem preconceitos nem receio de se medir com os melhores.

A discussão sobre a criação de um Instituto de Ciência e Tecnologia da Madeira (projeto inscrito no Orçamento Regional de 2019) que integre as diferentes unidades de investigação e inovação com atividade na Madeira compete ao Governo Regional e à estratégia que pretende desenvolver para a região. A UMa é um parceiro incontornável neste processo onde aliás tem assento formal através da ARDITI. Não conheço nenhum responsável por nenhuma unidade de investigação na Madeira que seja contra esta ideia. Pelo contrário oiço repetidamente que vem com décadas de atraso. Penso que será fundamental para o futuro de uma geração de jovens doutorados na Madeira. Mas aos políticos o que é uma decisão política.

A recente clarificação entre o M-ITI IPSFL e o ITI – Instituto de Tecnologias Interativas unidade de investigação integrada no LARSYS é uma decisão exclusiva dos investigadores que nela participam. É um passo importante na afirmação do projeto científico original do M-ITI. Um projeto que nasceu na Madeira, ganhou reputação e credibilidade internacional e agora alarga ainda mais o seu âmbito a nível nacional. Este projeto mantém-se na Madeira, associado como não poderia deixar de ser à UMa, mas ganha uma maior abrangência nacional. Tal como dizia Fernando Pessoal “o provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte do desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente com uma insubordinação inconsciente e feliz”. Bom ano de 2019.