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Um desafio urgente do nosso tempo...

O Vaticano recebeu uma cimeira inédita sobre a protecção de menores, com o Papa a apontar “medidas concretas” para a erradicação desta brutalidade sexual.

De facto, o encontro sobre a protecção de menores, convocado pelo Papa Francisco, é um bom exemplo para todos nós, como a Igreja e como a sociedade, sobre como resolver este problema tão profundo e destrutivo que tem de ser erradicado.

“Todo o abuso é uma monstruosidade. Na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus. Temos o dever de ouvir atentamente este grito silencioso”.

“Senhor livra-nos da tentação de querermos salvar a nós mesmos, a nossa reputação: ajuda-nos a assumir a culpa e a buscar juntos respostas humildes e concretas em comunhão com todo o povo de Deus” disse o Santo Padre durante o referido encontro.

Logo no início da cimeira o Papa reafirmou a proteção dos menores como um “acto de forte responsabilidade pastoral” e um “desafio urgente do nosso tempo”.

O encontro de quatro dias organizado pelo Papa tinha como meta impedir que tal voltasse a suceder. “Responsabilidade, prestação de contas e transparência” eram os três objectivos da cimeira, indicados por Frederico Lombardi. Medidas concretas e eficazes e não apenas condenações óbvias, disse o Pontifício, entregando aos 190 presentes no encontro uma lista de 21 questões a resolver, entre elas a denúncia civil.

Já Bento XVI tinha obrigado, no seu papado, os bispos de cada nação a elaborar um guia sobre como actuar perante os abusos, tanto no seio da Igreja como diante das autoridades civis. Deu-lhes o prazo de um ano para agir mas, passados dez anos, só 26 dioceses do mundo o fizeram, num total de 144.

Dado que a medida tomada por Bento XVI e seguido por Francisco não resultou, o actual líder católico tomou a iniciativa, considerada audaz, do encontro de todos em Roma: vítimas de abusos, 144 presidentes de todas as conferências episcopais, patriarcas das igrejas orientais, todos os ministros da Santa Sé, responsáveis de todas as ordens religiosas masculinas e femininas, e especialistas.

Nos últimos seis anos, ficou claro que os cardeais confiaram no Papa Francisco uma missão reformista; e poucas reformas eram tão necessárias como uma mudança profunda em relação às denúncias de abusos sexuais.

Foi essa necessidade de mudança que o ano de 2018 veio demonstrar, com uma série de escândalos e novas denúncias que “desbarataram muito do capital político que o Papa foi conquistado” entre 2013 e 2017, como escreveu o site norte-americano Crux num balanço do ano publicado em Dezembro.

Por isso, este é o momento de viragem, mas, acima de tudo, um acto de contrição para evitar novos casos de abuso sexual e do seu encobrimento surjam dentro da Igreja.

“É um sinal claro que chega da hierarquia católica para a base. A Igreja precisa de ter uma atitude de contrição, de responsabilização nos abusos e no encobrimento e, ao mesmo tempo, “gravar na memória para que não volte a acontecer”.

O caminho iniciado com esta cimeira pela mão do Papa Francisco vai além dele. “É ele quem o reconhece, mas a Igreja não é o Papa Francisco. É preciso penitência, sentirmo-nos na pele do outro.”

Este momento, que pode ser classificado como uma descoberta da verdade pode ser decisivo para conhecer toda a verdade. É importante que a Igreja admita a culpa mas também que saiba dar o passo seguinte, apoiar as vítimas e suas famílias. Quando falamos de um abuso, não falamos só de uma vítima mas também da sua família.

Depois de reconhecida a culpa a Igreja deve focar-se na necessidade de apoiar as vítimas. “ A dificuldade das vítimas falarem, que por vezes se deve a sentimentos de culpa, a conflitos de lealdade que sentem. À confusão de sentimentos, traz-nos uma maior responsabilidade quanto à necessidade de criar condições para que possam sentir que falando serão acolhidas e que confiaremos na sua história.”

É neste momento de reconhecimento da verdade que chegou a vez de dar espaço à justiça dos homens.” Temos de ter a humildade de não cair na tentação de sermos autossuficientes e colaborar com a justiça que tem competência para fazer a investigação.

Este é um caminho longo que se inicia agora com um “compromisso a longo prazo” que a Igreja deverá assumir com a comunidade.

A Igreja católica “fará tudo o que for necessário para entregar à justiça todos os que abusaram sexualmente de menores ou adultos vulneráveis, garantiu o Papa Francisco, no discurso de encerramento da cimeira que durante quatro dias reuniu em Roma os líderes da Igreja Católica do mundo inteiro para discutir medidas capazes de travar os abusos sexuais no seio da instituição.

“A Igreja não procurará jamais dissimular ou subestimar qualquer um desses casos”, vincou o 266º Papa da Igreja Católica, num discurso que, porém, decepcionou quem esperava ouvi-lo enunciar medidas concretas para travar este flagelo que o próprio reconheceu “deforma o rosto da Igreja” e “ mina a sua credibilidade”.

“Nenhum abuso deve ser jamais encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos, favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo”, insistiu o Papa, apelando à criação de “um novo enquadramento eficaz de prevenção em todas as instituições e ambientes das actividades eclesiais.”

Trata-se pois de declarar “guerra total” aos abusos cometidos no seio da Igreja. Estes motivaram uma “ira injustificada” entre vítimas e fieis e terão de ser travados “com medidas disciplinares e processos civis e económicos, afiançou ainda Francisco.

Prometendo que a Igreja procurara “transformar os erros cometidos em oportunidades para erradicar este flagelo não só do corpo da Igreja como também do seio da sociedade”.

Em linguagem clara quanto baste, o arcebispo maltês dirigiu uma promessa que foi também recado para o interior da Igreja: “ A cultura do silêncio é um mecanismo de defesa que não é aceitável. Termos de passar para uma cultura de revelação da palavra”...

É muito relevante o reconhecimento de que a Igreja tem de prestar contas aos fiéis, especialmente às vítimas de abuso, mas também à sociedade em geral, bem como o reconhecimento da importância dos meios de comunicação social na denúncia destas situações.

A conclusão a tirar desta reunião, para as vítimas e para a própria Igreja não poderá ser que a mesma constitui “uma experiência de beleza diante da proclamação da verdade”: para as vítimas, para a Igreja, para a sociedade, não há beleza num crime nem no seu encobrimento. O crime tem de ser punido e a denúncia das situações tem de acontecer, sem medos de perda de poder.

Infâncias ou Adolescências roubadas não podem ser encobertas.

A dignidade das pessoas humanas está acima de qualquer tipo de instituição...

A Igreja somos todos nós e “o mal tem os dias contados, não é eterno...”