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Um acordo sem saída

Fez-se fumo branco no dia 17 de Outubro quando finalmente Juncker e Johnson assinaram um Brexit com acordo de saída ordenada. Este acordo teve por base o acordo assinado em novembro de 2018, mas inclui uma revisão sobre a situação da Irlanda e inclui também uma revisão da declaração política sobre a futura relação entre a União Europeia e o Reino Unido. Desta forma conseguiram cobrir os principais pontos de discórdia, mas persiste o desconforto e as dúvidas relativamente ao desfecho da saída. Está claro que o Brexit é mau para todos, e fica claro também que no fundo, tirando Boris Johnson e alguns dos seus apoiantes, ninguém quer esta separação.

Em suma, tanto o protocolo para a Irlanda como a declaração política acordada foram ajustados para que não houvessem vencidos nem vencedores, e permite ao Reino Unido manter a Irlanda do Norte na sua zona aduaneira. No entanto, a Irlanda do Norte permanecerá como ponto de entrada no mercado único, aplicando as taxas aduaneiras da União Europeia a todos os países incluídos no acordo, e aplicando taxas aduaneiras britânicas a bens de países terceiros. Por outro lado, o acordo assinado na declaração política também define uma posição de neutralidade entre as duas partes, onde o Reino Unido adota um modelo baseado num tratado de livre comércio, com isenção de quotas e taxas aduaneiras.

Com tudo isto, deveríamos estar numa situação viabilizadora de uma saída ordenada. No entanto, a câmara dos comuns decidiram travar o acordo e obrigar a um terceiro adiamento do Brexit, que foi concedido pela União Europeia até 31 de Janeiro de 2020. Quando estamos sempre a adiar alguma coisa, é porque realmente não queremos que ela aconteça. E é isto que está a acontecer, tanto na União Europeia como no parlamento britânico. É claro e evidente, que este empurrar de barriga só serve para favorecer a oportunidade de fazer cair o acordo, arrastar Boris Johnson para a demissão, forçar novas eleições e quem sabe fazer um novo referendo.

Este processo longo e incómodo, já está a fazer moça na Europa. O presidente Francês, Emmanuel Macron não queria conceder novo adiamento, porque realmente já ninguém tem paciência para esta situação. O parlamento britânico parece ter sido afetado pelo síndrome de Hamlet e está preso ao “ser ou não ser (Brexit), eis a questão...”. A questão é filosófica e realmente interessante, mas o problema é que já se arrasta há demasiado tempo e está a atrasar a agenda europeia.

A Europa continua firme na sua posição de proteger o mercado único e a Irlanda, mas tem feito demasiadas concessões ao Reino Unido. Se partirmos do principio que não há um bom resultado possível para o Brexit e que o síndrome de Hamlet vai permanecer durante muito mais tempo, mais vale terminar com este processo de uma vez e seguir em frente. Se o Reino Unido sair agora, com ou sem acordo, ficaremos uns anos a perceber como vai ficar a nova relação económica entre o Reino Unido, a União Europeia e o resto do mundo, como vão reagir as economias em ambos os lados, e como ficará a situação da Escócia e da Irlanda. Problemas com o Brexit vão sempre existir. Com acordo será mau, sem acordo será pior, mas pode ser que saindo sem acordo, e impostas algumas medidas punitivas na medida certa, podemos até chegar a ver o Reino Unido a voltar de cabeça baixa suplicando pela sua reintegração na União Europeia.