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Se bem me lembro...(5)

O “dizimo” correspondia ao imposto sobre o pescado. Geralmente as finanças faziam o leilão desse imposto

Como já aqui deixei dito, nasci no Seixal numa Quinta Feira ao meio dia, momento em que o Gavião fundeava ao largo, no mar do Seixal. A partir daí tive muitos momentos ligados ao mar, até que o meu signo a ele está ligado...Quando miúdo íamos com muita frequência ao cais do Seixal, construído em 2016, principalmente na época de Verão em que lá íamos ao banho, pescar ou quando íamos à chegada de algum barco de pesca.

Os barcos, movidos a remos, de vários tamanhos, As canoas com dois remos que poderiam ter um (as mais pequenas) ou dois remadores, seguindo-se barcos um pouco maiores com dois remos e dois remadores e os maiores de todos com quatro remos e até oito remadores. Os motores ainda não tinham chegado à Costa Norte.

Quando regressados do mar, primeiro desembarcavam a “companha”, menos um ou dois, dependendo do tamanho do barco, que o segurava por causa da ondulação. Tinham uma corda amarrada na popa que era atirada para a terra e os outros pescadores, fazendo força puxavam o barco para terra através do varadouro, bastante inclinado.

Arrumavam o barco e prendiam-no a um ferro que existia pregado ao cimento do chão, no chamado “parque de estacionamento (não havia parquímetros...) Tiravam tudo o que tinham levado para o mar, (lá diz o povo que “quem vai para o mar avia-se em terra), punham os remos paralelos ao barco e por fim tiravam o peixe que era dividido em “partes”, consoante diversos fatores que tinham direito a uma ou mais partes: Uma parte para cada elemento da “companha”, uma parte para a isca, uma parte para as redes, uma parte para o dono do barco, uma parte para o “dizimo”, uma parte “morta”, etc...O “dizimo” correspondia ao imposto sobre o pescado. Geralmente as finanças faziam o leilão desse imposto e alguém arrematava-o e por isso tinha o direito a uma parte de todo o pescado desembarcado no cais do Seixal A parte morta correspondia à segurança social da época: era para as viúvas dos pescadores. As partes” eram sensivelmente iguais e feitas a ”olho” De salientar que nesse tempo nem o agricultor nem o pescador tinham quaisquer direitos a segurança social ou a apoio na doença. Curiosamente as vacas tinham esse apoio, o chamado subsidio por morte do animal, por doença e assistência na sua saúde, mas o agricultor se precisasse de internamento ou de uma cirurgia tinha que vender um bocado de terra.....(percebem porque não havia listas de espera na altura!!!!), ou então morria....

Cada um dos que tinham direito a uma “parte”, davam um objeto que os identificava: uma pedrinha, uma caninha, um pau, nada de plástico porque ainda não havia, metiam dentro de uma barreta e geralmente chamavam uma criança que depositava cada objeto em cima de uma parte e os respetivo dono tomava conta do resultado da sua pescaria. A parte morta também era vendida e distribuída pelas viúvas...

Cada um metia a sua “parte” num cesto e geralmente a mulher ia vender pela população do Seixal e por vezes iam até São Vicente vender ou trocar. Como os pescadores, de um modo geral não tinham agricultura, umas vezes vendiam e outras vezes trocavam por semilhas, batatas ou feijão. Por vezes era a mesma pessoa que vendia mais do que uma parte. Tudo era vendido ou trocado “a olho”, pois raramente as pessoas tinham balanças.

Nesses tempos as pessoas comiam muito mais peixe do que carne, pois era muito abundante. Carne de vaca era praticamente pela Festa, a galinha era para as mulheres quando tinham bebés e como havia a possibilidade de fazer trocas, não era necessário haver dinheiro para lá e para cá. Muitas vezes o dinheiro estava investido em semilhas na loja...

De um modo geral poderemos dizer que em Setembro as pessoas enchiam o salgueiro com gaiado salgado, que depois coziam para acompanharem com semilhas murchas, principalmente nas vindimas, no Natal enchiam o salgueiro com a carne de porco salgado, depois seguia-se a época das espadas e o peixe “branco ou peixe “fino”, ia havendo ao longo de todo o ano.

Quando íamos ao “calhau” comprar peixe, escolhíamos a quantidade desejada que era enfiado, pelas guelras num vime, que por vezes era rachado ao meio ou então num arame.

Muitas pessoas em vez de comprarem ou trocarem o peixe, iam eles próprios à pesca nos pequenos “ilhéus” ou “baixas”, ou mesmo da costa com uma cana de bambu, com um arame amarelo e na ponta um anzol, principalmente aos bodiões, que era o peixe que mais abundava mesmo junto à costa. Primeiro apanhavam um saco de pano com jaca que servia de isca para o bodião.. Não era preciso licença para pescar nem fita métrica para medir o tamanho do peixe, nem contar a quantidade de peixe apanhado.

Hoje em dia até é preciso ter uma licença para apanhar alguns peixes, também limitados nas quantidades. Além disso o pescador atual tem que se munir de uma régua para medir o peixe que apanha. Se for pequeno manda-o de volta para o mar para crescer mais uns centímetros. Nesses tempos havia peixe de fartura e apanhava-se tudo, agora os pescadores passam horas e horas a dar banho à minhoca e não apanham nada.

Caminha-se aceleradamente para o chamado “peixe” de aviário, criado em grandes jaulas e alimentados com várias substâncias, nomeadamente os antibióticos. Isto faz-me uma grande confusão, pois penso que talvez seja mais fácil criar os peixes em jaulas e deitá-los ao mar para crescimento, ficando essa zona interdita de pesca durante um determinado período...

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