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S.R.S. - O “Fardo”

Vamos lá tentar aliviar o peso do “fardo”: A denúncia pública com origem no (ex) responsável pela unidade de medicina nuclear do hospital central do Funchal, no que concerne aos cuidados de saúde pública prestados, não será em si geradora de “grande” alarmismo nos cidadãos, sejam eles utentes ou não do Serviço Regional de Saúde (SRS). Atos de negligência médica e/ou má prática, ouvimo-los por vezes nos meios de comunicação social, mas felizmente representam a exceção, pois a regra é a boa prática. Não desconsiderando e manifestando respeito e solidariedade a todos aqueles que desafortunadamente tenham sido alvo de negligência médica, entendo que aqui, o foco não deve estar nas denúncias de alegada negligência em alguns serviços do referido hospital, mas sim no alegado favorecimento da medicina privada em detrimento da medicina pública. Não me parece que o profissionalismo e competência da classe médica ou dos enfermeiros ou de outros técnicos de saúde na região esteja em causa. O que merece atenção e está a merecer, como reflete a criada comissão de inquérito na assembleia legislativa regional, é ter sido publicamente posto em causa o eventual (?) sequestro do serviço público regional de saúde pelo sector regional privado de saúde, especificamente na área da medicina nuclear. E nessa medida, a população não estará preocupada com a qualidade do serviço público de saúde que lhe é prestado, o qual de uma maneira geral é aceitável e nalguns casos é bom. Já o progressivo definhar do SRS é notório, onde as razões serão várias, se bem que o subfinanciamento será a maior. Bastará refletir sobre o facto de nesta altura estar prestes a ser inaugurada na região, onde apenas vivem qualquer coisa como 250.000 habitantes, uma unidade hospitalar privada, assim como já cá estarem instalados grandes grupos nacionais que atuam na área da medicina privada, tendo para o efeito comprado clínicas existentes. Alguém com um mínimo de noções em gestão de investimento viria para uma região onde existe um serviço público de saúde, tem uma população reduzida, leia-se poucos “consumidores”, investir largos milhares de euros se não tivesse previamente perscrutado uma oportunidade? Só se a lógica do investimento se tiver entretanto alterado e uma recente “neo-gestão” aconselhe a perder dinheiro. Ou será que existem estudos demográficos no segredo dos deuses que indicam que nas próximas décadas a população da R.A.Madeira aumentará exponencialmente? É óbvio que nem uma coisa nem outra, nem as duas. Mas o enfraquecimento do SRS não é de hoje, é aliás um processo que tem anos e onde, curiosamente, tem também na sua origem, uma medida que quando foi criada, foi indiscutivelmente um ato de boa gestão pública no que se refere à oferta de alternativas na saúde à população da região. Refiro-me à convenção médica regional, que permite consultas e obtenção de meios de diagnóstico na medicina privada, pois ela própria vem a tornar-se uma aliada no enfraquecer do SRS, já que a sua existência, crescimento e generalização veio, ano após ano, “desincentivando” o fortalecer dos serviços públicos regionais de saúde. Uma medida à data bem tomada, mas que porque negligência (ou não) deveria ter sido alvo de monitorização e reavaliação e aparentemente não foi, e tem hoje uma dimensão que gostaria que me dissessem como é que se pensa resolver a questão, se é que se pensa fazê-lo. Neste caso, é claro que a medicina pública foi “sequestrada” pela medicina privada e a sua “libertação” afigura-se de difícil solução. E refira-se, a sua (legítima) existência deveria unicamente distinguir-se pela complementaridade nos cuidados de saúde prestados à população e/ou por opção de uso de quem quer e pode. No entanto, dai poderá (ia) não vir nenhum mal ao mundo, se os serviços prestados pelo serviço privado de saúde forem bons, regulados e ativamente fiscalizados e população não pagar mais por isso. Não se pode é aceitar que se mantenha uma estrutura pública de saúde com elevados custos financeiros e apta a responder, e ao mesmo tempo convencionar serviços no sector privado. Isso, a acontecer, e independentemente das motivações, é má gestão de dinheiro dos contribuintes e evidentemente não pode ter lugar.