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Resistir e Vencer

Depois de um ano político tão intenso como o de 2019, ninguém contava enfrentar uma missão desta dimensão

Faço parte de uma geração que cresceu a dar tudo por adquirido: a presença da família, o convívio com os amigos, a saúde, a educação, a habitação, o emprego e a protecção social mínima. Crescemos e vivemos a dar a rotina de todos os dias como um facto assente. De repente, mudou tudo e a imprevisibilidade do dia seguinte tornou-se o único dado adquirido: o que é possível esta manhã, pode já não ser logo à noite. O malfadado vírus levou-nos o conforto do rotineiro; nalguns casos, a saúde, a vida e aqueles de quem mais gostamos.

Todos os dias sentimos que o vírus leva consigo alguma coisa - mas também temos demonstrado que não leva a capacidade de resistir e de vencer as dificuldades, nem levará certamente a de nos reerguermos no dia seguinte, nessa mudança que todos percebemos agora tão urgente quanto necessária. Nesta fase, não é demais recordar a energia que temos tido para resistir e de que precisamos para vencer esta pandemia.

Cada um de nós, resistindo, através da quarentena, do isolamento, ou do distanciamento social, à infecção pelo vírus, à doença que provoca e às consequências de saúde que vai deixando primeiro e às económicas e sociais que deixará depois. Na Madeira, temos resistido com relativo sucesso a esta primeira fase, mas ninguém ignora, ninguém pode ignorar, que estamos longe de saber em concreto quando e como terminará, nem tão pouco que consequências deixará. Não é possível prever com exactidão se e quando regressaremos à normalidade possível, mas é importante que se definam estratégias de saída e de recuperação, que podem rapidamente voltar a ser de contenção ou mitigação. As características do nosso contexto geográfico e epidemiológico, ambos distintos da realidade do restante território nacional, coloca-nos um desafio maior de planeamento e acção. Não há soluções iguais para o que é diferente.

Vão resistindo os nossos profissionais de saúde e todos aqueles que estão na linha da frente deste combate, que todos os dias enfrentam as falhas naturais de todos os Sistemas, incluindo os de Saúde, perante um vírus e uma doença que os fazem ruir como castelos de cartas. Não é possível suprimir num momento apenas as falhas de que globalmente todos enfermam, mas a criatividade de uns e outros vai aumentando diariamente a capacidade de resposta clínica, de teste e de protecção perante a ameaça latente. Não há outro caminho possível que não seja o de resistir às dificuldades e persistir nas soluções imediatas e possíveis.

Procuram resistir também os trabalhadores e os empresários, num momento que já é de extraordinária dificuldade. A crise anterior deixou marcas que ainda sentimos, a margem era pequena e os dias que correm rapidamente acentuaram-nas. Tem sido grande o esforço, provavelmente insuficiente para a dimensão do que enfrentamos, de todos aqueles que, com responsabilidades locais, regionais ou nacionais, procuram encontrar soluções que se traduzam, simples e rapidamente, em dinheiro que chegue às empresas e aos trabalhadores que mais precisam; e tem sido grande o empenho de todos os que procuram influenciar decisões urgentes no plano europeu. Tudo parece ainda pouco e é preciso continuar a trilhar esse caminho. Nunca a velhinha máxima de que a saúde está primeiro fez tanto sentido - mas chegará o tempo em que para a termos precisaremos de reconstruir tudo o resto.

Depois de um ano político tão intenso como o de 2019, ninguém contava enfrentar uma missão desta dimensão. Como em todas as outras lutas, a motivação não muda - ultrapassarmos as dificuldades, salvando vidas primeiro e carteiras depois, sem deixar ninguém para trás - e o lema também não: resistir e vencer - desta vez, ao vírus e a pandemia. Seguimos juntos, no mais difícil dos combates.

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