Artigos

Precisamos de mais comandantes

Sei que saiu da ilha de coração apertado, o homem que nos últimos 24 anos deu 27 voltas ao mundo sem sair do mar da travessa. Sei, porque tive o privilégio de conviver com o comandante João Bela durante mais de duas décadas, que a Madeira e os madeirenses muito ficarão a dever a pessoas como o homem que sempre teve a porta aberta para receber os passageiros desconhecidos e anónimos que queriam visitar a ponte de comando.

As fórmulas não se inventam, quando o sorriso e a amabilidade são um dos valores que definem e vendem um destino. Vi-o vender o Porto Santo como se tivesse ali vivido toda a sua vida, senti a sua paixão pela ilha a cada palavra aos turistas a quem mostrava, quando parado no cais, os cantos e recantos de todo o Lobo Marinho. Sem pressas, mas com um orgulho enorme, próprio de quem exibe a mais notável das suas obras.

O João chegou em 1994. Vinha por seis meses. E foi ficando. Colecionou amigos, admiradores e companheiros para a vida. Ano após ano, via as crianças crescerem e irem para a faculdade, voltarem ao navio casadas e com filhos e continuava de portas abertas com o mesmo carinho, como fazia aos estrangeiros que, depois de alguns anos, ainda o procuravam a bordo, por os ter tocado numa visita anterior.

Precisamos de mais comandantes. De mais pessoas que amam a Madeira e o Porto Santo como só o João soube fazer durante 24 anos.

A promoção não tem de custar milhões quando se tem pessoas como o comandante do Lobo Marinho, que contava histórias como qualquer bom marinheiro, que alimentava sonhos aos jovens que queriam saber como funcionavam todos os botões da consola da ponte de comando, que ama e vai continuar a amar a Madeira e o Porto Santo, que viu crescer como um filho ao longo dos anos. A ilha que tinha, como diz sempre, “meia dúzia de luzes acesas em 1994” quando saía com o “Pátria”, onde se contavam pelos dedos os automóveis e as casas fora do centro eram aqui e ali. Ajudou a fazer crescer o refúgio de férias de muitos madeirenses a troco de nada, porque não trabalhava à comissão. Podia ter sido mais um comandante fechado na ponte, mas ao atravessar o navio não se recusava a uma foto ou dois dedos de conversa, a ajudar passageiros a encontrar um local específico. Afinal, estava ali desde o primeiro dia, desde a primeira de mais de 4 mil viagens feitas a bordo do navio que ajudou a construir, depois de ter ouvido os passageiros ao longo de anos.

O Porto Santo deve-lhe mais do que um louvor de reconhecimento. A atribuição da “Chave da Cidade” seria a homenagem justa a um homem que nada ganhou a troco da promoção gratuita que fez. E que, tenho a certeza, continuará a fazer pelo Porto Santo.