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Poderá o mundo vegetal experimentar o sofrimento?

Até há bem pouco tempo, o argumento para justificar que no mundo vegetal não havia sofrimento, era afirmar-se que perante a inexistência de um sistema nervoso central, o sofrimento não poderia ter lugar. Pois bem, esse argumento pode estar fora de prazo. Tal conclusão resulta do trabalho de um grupo de botânicos, microbiologistas e bioquímicos norte-americanos que se debruçaram sobre as reações da Arabidopsis Thaliana, uma pequena planta crucífera nativa da Eurásia e do norte de África e que é muito utilizada na investigação científica, em áreas como a genética, bioquímica e fisiologia. Os resultados foram publicados na revista Science no mês de Setembro do ano passado. Resumindo e simplificando, o foco deste novo estudo é aferir se existe alguma semelhança entre o sistema nervoso dos animais e a reação das plantas em presença da dor. É sabido que as plantas como seres vivos estáticos não podem fugir dos herbívoros ou dos insetos, defendendo-se com respostas químicas para combatê-los e regenerar os seus tecidos danificados. O estudo refere que quando um inseto ou larva ataca uma planta, esta reage à lesão da mesma forma que um animal, utilizando as mesmas moléculas, embora se saiba que no mundo vegetal não existe um sistema nervoso central. Esta reação é acionada, tendo como objetivo ativar um sistema de “defesa”, propagando e partilhando a “dor” com as outras plantas. Desta maneira e com este objetivo, as plantas chegam a um forma de comunicação através de iões de cálcio, conseguindo enviar sinais a longa distância. De acordo com o grupo de cientistas, que usaram proteínas fluorescentes para observar os sinais à medida que estes se espalhavam pelas plantas em resposta ao stresse, o sistema é muito mais lento do que as reações nervosas nos animais. No entanto, mesmo assim o organismo da planta cumpre a mesma função, sendo que à medida que a onda se propaga, aumenta o nível de hormônios defensivos na região afetada. Também Stefano Mancuso, autor do recente livro “A Revolução das Plantas”, Pergaminho-2019, e especialista de renome internacional em neurobiologia vegetal, neste seu trabalho refere que “A complexa organização anatómica da planta e as suas principais funcionalidades exigem um sistema sensorial muito desenvolvido que permita ao organismo explorar com eficiência o ambiente circundante e reagir com prontidão a eventos potencialmente prejudiciais”. Ainda assim, perante esta nova descoberta no mundo vegetal, a opção pela redução do consumo de produtos de origem animal, seja na alimentação, seja no vestuário, na cosmética ou outro, ou a adoção de uma via vegetariana ou vegana em face do inaceitável e deliberado sofrimento imposto aos animais por via da agropecuária industrial, é na minha opinião, uma decisão não só correta, como reveladora de uma tomada de posição consciente, a esse inferno a que o ser humano tem vindo a sujeitar os animais não-domésticos, sendo de longe e até ver, causadora de “menores estragos”. Para além do referido holocausto a que os animais não-domésticos estão intencional e inadmissivelmente condenados, as indústrias agropecuária e piscatória são responsáveis por enormes danos causados ao planeta, como seja a emissão de gases nocivos para a atmosfera, como o metano produzido pelos animais no processo de digestão (mais negativamente impactante que o CO2), poluição dos oceanos e lençóis freáticos, esvaziamento da vida marinha nos oceanos, destruição de habitats e consequente extinção de espécies, milhares de hectares de floresta tropical destruídos para plantação de ração para animais, etc, etc, colocando assim em perigo o imprescindível equilíbrio dos vários ecossistemas ambientais e consequentemente toda a existência na nossa casa comum. Ora transferindo toda esta realidade para o ato eleitoral que se aproxima e não votar em partidos com forte empenhamento nas questões ambientais, é o mesmo que estar a morrer à sede e pedir para apanhar banhos de sol.