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Pensamentos sobre o Estado da Democracia

Infelizmente ou talvez pelo contrário, a democracia é um tema que merece livros e livros de comentários e ponderações

Desde que atingi a maioridade para exercer o meu direito/dever de voto, recuso-me a fazê-lo porque simplesmente não há nenhum partido com que consiga pactuar. Como é de esperar, este incumprimento do dever cívico carrega consigo várias consequências, algumas de cariz mais profundo, que tocam nas áreas da consciência política e da filosofia, e outras mais populistas — “se não votas, não tens o direito a te queixares depois”, quiçá o argumento mais falacioso da era moderna, visto que os que votam são maioritariamente aqueles que posteriormente se queixam de quem elegeram e, quatro anos depois, voltam a realizar o mesmo ritual em relação à mesma pessoa.

Cada vez mais é visível um pendor para o populismo, seja ele de direita, seja de esquerda, traduzido na consciência política da vasta maioria dos enunciadores da frase que citei no parágrafo anterior. O sinal mais óbvio deste populismo anti-lógico é o facto de que estas pessoas não têm opinião política em relação a nada fora do tempo de eleições. Costuma-se dizer que “os portugueses têm memória curta”, mas parece-me que, antes de qualquer problema de memória, não têm a “pachorra” para se informar sobre quem querem que os represente. Contudo, este não é o único sintoma detetável desta epidemia que assola várias sociedades no mundo. O outro, talvez mais relevante, é o do “furor ideológico” que troca qualquer princípio empático humano por linhas imaginárias de “o fim justifica os meios” e que costuma ser visto nos partidos de extrema-esquerda e extrema-direita (não exclusivamente) que por alguma razão estão sempre ansiosos para ferir alguém (em ambos os sentidos do verbo). O exemplo perfeito disto é o da direita condenar os atentados do Governo da Venezuela e apoiar as atrocidades do Governo de Israel e a esquerda fazer precisamente o inverso, porque, sejamos sinceros, quem é que quer saber que estejam a morrer pessoas inocentes que nada têm a ver com estes eventos (a não ser que alguém acredite que haja uma ameaça de bébés e crianças armadas conspirando contra ditos governos)? Cá em Portugal, parece-me não existir um único partido que, de forma tácita ou de forma ativa (não sei ao certo a posição do Livre nem da Iniciativa Liberal), condene ambos os lados atentatórios. E essa é uma das razões para eu não votar. Para aqueles que pensam que o meu “não-voto” é um resultado exagerado destes factos, pensem nisso enquanto olham para as suas famílias e aqueles que verdadeiramente amam, porque, pelo menos eu, não consigo desligar esse lado emocional quando penso em eleições políticas.

Continuando nestas ponderações sobre o estado da democracia e do votante, mas mudando para um assunto mais recente: a vitória demolidora de Boris Johnson sobre Jeremy Corbyn. Este é um assunto que acho ser perfeito para exibir a hipocrisia do eleitorado na medida em que surge a ideia de que “a democracia só funciona se os resultados forem aqueles que eu quero”. É incrível a quantidade de comentários, tanto públicos como virtuais, que surgiram pouco depois de ter sido anunciada (ou até alvitrada) a vitória dos Conservadores sobre os Trabalhistas a sugerir manipulações de eleições, sem que houvesse qualquer indício de tal prática.

Impulsionado por este tipo de comentários, o discurso de ódio proliferou em ameaças (algumas bem mais sérias que outras) contra o eleitorado mais velho, sem qualquer razão para tal visto que nem sequer havia estatísticas desse tipo disponíveis na altura. E note-se que a discussão ultrapassa em parte a questão do Brexit porque, apesar de Johnson ser a favor, Corbyn não é contra.

Infelizmente ou talvez pelo contrário, a democracia é um tema que merece livros e livros de comentários e ponderações pelo que um só artigo de opinião não é minimamente suficiente para expressar qualquer tipo de opinião melhor formulada e argumentada. Acredito totalmente no método democrático. Não acredito, no entanto, naqueles que o usam às cegas nem naqueles que se aproveitam dessas cegueiras.

De forma a resumir a minha opinião recorro a uma frase que se pensa ter sido dita por Churchill, um homem que tanto foi herói como foi monstro (na Índia): “O melhor argumento contra a democracia é uma conversa de 5 minutos com o votante comum”.