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Passar pela vida ou fazer a diferença?

Na última semana, numa conversa banal de paragem de autocarro, uma senhora com idade madura meteu conversa comigo para criticar o estado atual das coisas e, inevitavelmente, a conversa tornou-se num debate político.

“Criticar por criticar não tem qualquer consequência prática”, disse eu.

O seu estado de descrença no futuro era de tal ordem que ao motivá-la a lutar por um futuro melhor, ao menos pela filha e neto, respondeu-me: “Cada um lute por si”.

Esta frase impressionou-me e acabou por fazer-me refletir sobre a vida. Passamos pela vida? Ou tentamos fazer a diferença?

A minha vida sempre foi de causas e sempre lutei por aquilo que considero estar correto. Foi à conta desta minha forma de vida que há uns anos um adversário político desafiou-me a participar num projeto de defesa dos direitos dos nadadores-salvadores. O projeto era arrojado por envolver pessoas de diferentes cores políticas.

Entre ficar quieta no meu canto e lutar por criar condições para uma maior justiça social numa classe tão desprotegida, não resisti. Ao fim de quase um ano a ser tentada, aceitei o convite para pertencer à Associação SalvaMarMadeira. Uma associação sem fins lucrativos, que tem como missão a defesa dos interesses dos nadadores-salvadores, procurando valorizar esta carreira junto das entidades laborais, sobretudo através da formação.

Fazer algo que se acredita, pelo bem comum, sem estar à procura de protagonismo político. É assim na Associação SalvaMarMadeira. Não falamos em nome individual, mas em nome de todos os nossos associados.

Não sou nadador-salvador, portanto, não tenho qualquer interesse pessoal. Mas, luto com toda a minha garra para que não falte no momento certo um nadador-salvador que retire do mar uma pessoa em aflição, tendo consciência que fatalidades sempre ocorrerão.

Mas para isto acontecer, é preciso haver pessoas que queiram ter esta profissão e isso só é possível criando melhores condições de trabalho. O facto de ser uma profissão sazonal dificulta a estabilidade na carreira que, por sua vez, reduz a atratividade para o exercício da mesma.

A falta de visão estratégica governamental e autárquica (salvo algumas exceções) nestes assuntos do mar faz com que os necessários investimentos na valorização da segurança nas várias praias de banho ao longo da nossa costa sejam escassos. E tudo isto acaba por promover a falta de nadadores-salvadores.

Para começar, tem de haver vontade política que bem pode começar pela definição dum enquadramento legal da profissão mais eficaz.

No mandato anterior, o grupo parlamentar do CDS/PP teve a iniciativa de elaborar um projeto de Decreto Legislativo Regional sobre “Adaptação à Região Autónoma da Madeira da Lei n.º 68/2014, de 29 de agosto, que aprovou o regime jurídico aplicável ao nadador-salvador”. Simultaneamente, a Associação SalvaMarMadeira reuniu com todos os Grupos Parlamentares para dar a conhecer as dificuldades da profissão. Chamada a pronunciar-se sobre esta iniciativa, aconselhou-se a constituição de um Grupo de Trabalho para discutir a adaptação à RAM deste regime jurídico. Deste Grupo de Trabalho resultou um relatório final que deve ser tido em conta na elaboração de qualquer iniciativa legislativa futura. Curioso é que das 5 reuniões realizadas pelo Grupo de Trabalho, o CDS/PP esteve presente apenas em 2.

Neste governo, o CDS/PP tem à sua responsabilidade a Secretaria do Mar e Pescas, mas curiosamente também ainda não teve tempo para reformular a sua iniciativa de acordo com as conclusões daquele grupo. Será uma iniciativa a ser lançada no fim do mandato em vésperas de eleições?

Recentemente, a Associação SalvaMarMadeira já reuniu com todos os grupos parlamentares, à exceção do Grupo Parlamentar do PPD/PSD-Madeira que ainda nem nos deu resposta ao pedido de reunião. Sabemos que não são obrigados a isso. Mas, deveremos entender esta ausência de resposta como desvalorização da importância destas questões?

A Lei-Quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais (Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto) prevê a transferência de várias competências do governo para as autarquias, onde se inclui responsabilidade no âmbito das praias marítimas.

No caso das Regiões Autónomas, é necessário ainda definir em que termos se procederá esta transferência. Não é possível fazer transferência de competências sem a correspondente transferência de verbas. E a lei refere taxativamente que passará para a competência dos órgãos municipais “Assegurar a atividade de assistência a banhistas, sem prejuízo da definição técnica das condições de segurança, salvamento e assistência a definir pela entidade competente”, artigo 19., alínea c). Ou seja, é melhor começarem a pensar na estratégia de recrutamento de nadadores-salvadores e na criação de condições de segurança nas praias.

Para se desenvolver a economia do mar é necessário elaborar um plano integrado em múltiplas áreas. Por isso, o Prof. Ernâni Lopes o denominou de Hypercluster do Mar e não somente Cluster. Ordenamento da costa, turismo de mar, defesa do ambiente, investigação e consequente exploração do meio aquático, do solo e subsolo, a segurança das pessoas, embarcações e até a necessária defesa nacional (em articulação com Governo da República) entre outras questões precisam ser pensadas. A questão relativa às condições de trabalho dos nadadores-salvadores não é, por isso, de somenos importância. Quem tem olhos que veja!

É preciso fazer o que tem de ser feito. Aderir a causas e lutar pelo que está certo. Fazer a diferença.