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Para reconstruir a política

Preocupa-me a selvagem exploração dos limitados recursos do planeta e o nosso assalto ao ar, à água e à terra.

Aquilo que acredito dá-nos a trajectória de uma vida reflexiva e a resposta às interrogações cruciais da vida política nos tempos de hoje.

Se da tensão medieval do Ocidente nasceu a democracia, À medida que a esfera temporal se tornou independente da esfera espiritual e ambas tiveram de aceitar e respeitar a configuração dos poderes locais, políticos (magistraturas, tribunais, municípios) e sociais (corporações) criaram a possibilidade de um Estado nacional soberano e uma nova série de debates em torno desta novidade. Assim, para Maquiavel, a política é autónoma e amoral. Para Bodin a política é inseparável da soberania e esta exclui toda e qualquer participação pluralista. Hobbes evoca um absolutismo naturalista e só a partir do Iluminismo, e antes do parlamentarismo inglês, as classes sociais, as corporações e afinal os indivíduos se converteram em actores da vida política. No entanto, só a consagração universal dos direitos humanos, o caracter imprescritível dos crimes contra a humanidade, o tribunal internacional dos direitos humanos, privam de impunidade os grandes violadores e criam uma cultura da legalidade internacional que poderia estender-se às actividades dos mercados, sujeitando-os a normas de benefício social e de responsabilidade política. A criação do tribunal Internacional (o Estatuto de Roma) coroará este esforço por dotar de legalidade a política e castigar a violação de ambas.

Tudo isto fortaleceu politicamente o Estado nacional, como os factos foram demonstrando no início do século XXI. Não há economia forte sem Estado forte, sem sociedade forte que o sujeite a mandatos políticos, normas de transparência e fiscalização e não só a realizar eleições periódicas, mas sim, como diz Pierre Shori, a preencher os vazios entre eleição e eleição, revogar mandatos, realizar referendos, exigir a responsabilidade parlamentar dos ministros, dispor de um ministério público independente e submeter a julgamento os abusos do poder.

De facto, a política é algo mais que um episódio eleitoral. É preciso elevar a participação política, ampliar o acesso às comunicações e assegurar que as pessoas conheçam e reivindiquem os seus direitos. A política tem de ser um exercício diário de direitos e vigilâncias. Mais do que nunca (e embora não esteja na moda citar Hegel), a política tem uma tese – o direito - , uma antítese – a ética -, e uma síntese – legalidade e moralidade. E, para compensar Hegel, talvez ninguém melhor que Burke nos lembre que (a política é uma associação, não apenas económica, mas como “em toda a arte, em toda a virtude, em toda a perfeição.”

O somatório das minhas esperanças políticas não me cega diante dos perigos de proliferação de jurisdições criminais fora de todo e qualquer controlo; de que uma só superpotência ponha em cheque a vontade mundial de criar instâncias de justiça, desenvolvimento e protecção do meio ambiente que, em nome de um suposto “choque de civilizações”, se satanizam culturas inteiras.

Daí as minhas preocupações políticas para este novo século:

Preocupa-me a selvagem exploração dos limitados recursos do planeta e o nosso assalto ao ar, à água e à terra.

Preocupa-me o preconceito e a exploração, disfarçados de ordem social, continuem em negar às mulheres – mais de metade da população do mundo – direitos elementares de trabalho, representação e liberdade corporal.

Preocupa-me que a liberdade do mercado se imponha, negando-a à liberdade do trabalho.

Preocupa-me que a economia global encoraje o livre movimento das coisas e proíba o livre movimento dos trabalhadores.

Preocupa-me uma ordem capitalista autoritária na qual, sem inimigo totalitário pela frente, se imponha ao mundo um modelo dogmático de mercado.

Preocupa-me o regresso dos fascismos e populismos: a xenofobia, a discriminação social, o fundamentalismo político e religioso, a perseguição do trabalhador migratório.

Preocupa-me a deterioração da civilização urbana em todo o mundo: pessoas sem lar, mendicidade, abandono da terceira idade, pandemias incontroláveis, insegurança, definhamento dos serviços de saúde e educação.

Preocupa-me que pela primeira vez na história o ser humano tenha a espantosa capacidade de se suicidar matando ao mesmo tempo a natureza que, antes da era nuclear, sobrevivia sempre às trágicas loucuras.

Preocupa-me um mundo sem testemunhas.

Preocupa-me tudo o que atente contra a continuidade da vida.

Preocupa-me porque, durante as últimas eleições europeias, nada disto se falou...

Preocupa-me porque vêm ai novas eleições e estes temas, estas preocupações fazem parte da política, da vida em comunidade, da cidadania na polis. Como diria Albert Einstein, “O meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como individuo e nenhum venerado.”

Por tudo isto a política é um sinónimo de reconstrução, de divisão de poder, fiscalização do executivo, dinamização do capital humano e melhor distribuição dos rendimentos. Como responder a estes desafios que são os da democracia?

A vida tem-me ensinado, em silêncio, que em política só se sabe aquilo que se imagina.