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Os homens sem língua

O silêncio é um lugar confortável. A quem nada diz, nada pode ser apontado. Quem pouco arrisca, muito pouco lhe pode ser criticado. Já dizia Eugénio de Andrade, as palavras são a nossa condenação. Por isso, habituámo-nos a falar por meias-palavras. Com rodeios. A usar expressões neutras para ostentar a nossa tolerância. A língua suavizou-se, e esvaziou-se, para agradar a todos. A política seguiu o mesmo caminho. Os artigos de opinião passaram a contar histórias de infância. Os discursos arredondaram-se para não terem de dizer o óbvio. Os sorrisos e os afectos ocuparam o lugar das ideias e dos projectos. As palavras passaram a meter medo. Então, fiéis à evolução da espécie, alguns políticos perderam a língua. E, sem ela, passaram a falar e a aparecer muito mais, mas a dizer muito pouco. Os exemplos são muitos. Temos um Presidente da República omnipresente, que de manhã distribui afectos nos programas de televisão, durante o almoço atravessa o país de camião e ao fim do dia ainda tem tempo para distribuir alguns beijinhos e “selfies”. Mas quando chegou a hora de explicar porque é que a Madeira foi afastada da celebração do dia de Portugal. Porque é que Portalegre e Cabo Verde pareceram melhores escolhas para o dia. Nesse momento, o Presidente perdeu a língua. Temos um Primeiro-Ministro que anunciou, na semana passada, o Plano Nacional de Investimentos para os próximos 10 anos. São 4 mil milhões de euros em investimento público, desde comboios e aeroportos, até à agricultura e às florestas. O plano é nacional, mas não tem um único cêntimo para a Madeira. O Primeiro-Ministro veio à Região no último fim de semana, mas esqueceu-se da explicação em Lisboa, juntamente com o plano. Na Madeira, António Costa perdeu a língua. No Funchal, temos um Presidente de Câmara que, certamente atarefado com a governação da cidade, nunca se tinha pronunciado sobre o drama que se vive na Venezuela. Um silêncio absoluto. Aliás, o mais próximo que esteve de falar sobre a Venezuela foi quando assumiu o apoio a Lula da Silva e a Hadad. As mesmas personagens que – imagine-se – apoiam Nicolás Maduro. Mas tudo mudaria no dia em que, na Praça do Município, madeirenses e venezuelanos manifestaram-se em apoio a Juan Guaidó e à causa venezuelana. Nesse momento, o Presidente da Câmara continuou com a língua perdida, mas lá encontrou uma bandeira da Venezuela para desfraldar. Mas ao político evoluído, houve quem definisse melhor do que eu. O político sem língua é redondo, macio, sem bicos, sem arestas e sem asperezas. Politicamente, é perfeito como um ovo. Não tem ponta por onde se lhe pegue.