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O menú do futuro

As facas afiadas tratarão de filetar os desaires e bilhetes de travessias

Ontem foi dia de grande repasto, menú mais que completo, opções para todos os gostos e tendências. O cardápio desdobrou-se tanto que, para recolhimento, teve que ser em mais do que a usual modalidade em quatro.

Hoje, as migalhas serão certamente pratos dignos de estrelas Michelin, só ao alcance de entendimentos e entendidos exclusivos. Os pratos medianos continuarão a ter o seu lugar no menú do dia a dia dos dias seguintes que darão conta de uma vida como antes. Talvez algumas das sobremesas mais exóticas tenham conseguido entrar na dieta regular, com mais ou menos colorido, natural ou artificial.

Os comensais, esses, continuarão a comer, o que cai no prato, certos de que tudo não passou de uma grande festa, um ramadão simbólico, que antecede as práticas mais mundanas, regulares e desanimadoras, como de costume.

O que ficou da festa afinal? Ruído, animação, entretenimento, promessas a quente, os habituais excessos, a ressaca, nada de novo, como afinal se espera, diante de cada arraial. A devoção, genuína, ou mero reconhecimento da força da democracia, enquanto espaço que tudo permite no seu tolerante e aberto acolhimento infinito.

Do menú desse futuro que todos sonham, restará o sobrante que em micro-ondas se aquecerá nos dias que se seguem, qual memória do que sabe que nunca verá.

As contas hão-de fazer-se, com ou sem ajustes. As facas afiadas tratarão de filetar os desaires e bilhetes de travessias, com ou sem retorno, hão-de ser distribuídos de forma personalizada.

O menú do futuro, mais frugal, com menos diversidade, mas não menos consistente, poderia ter metade do que se anunciou. Poderia igualmente distribuir-se porta a porta, fábrica a fábrica, escola a escola, a velhos e a novos, em exercício solidário e justo. Mas isso seria tratar do futuro, um outro modo de ser e fazer, pensando que a festa, a verdadeira festa é quando as oportunidades, os direitos, a justiça e as garantias não se resumem à promessa ou anúncio do dia anterior. Que o menú do futuro, mesmo que incompleto ou até em branco, se possa preencher com o que todos precisam e têm direito, sem a fartura e opolência desmesurada apregoada em tempos de antena, panfletos e publicidade enganadora.

E que os grandes “chefs” que queimaram as cozeduras saiam da cozinha porque não nasceram para tal. Que não mudem de avental nem de touca antes se resumam e revejam na resolução e decisão daqueles que, de forma clara, se recusam a comer por muito que o menú lhes possa parecer bonito.