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O desafio do futuro

Na semana em que a mais alta tecnologia de futuro passeia por Lisboa, um tribunal coloca-se ao lado do homem

Lisboa recebeu esta semana a Web Summit, a cimeira tecnológica onde passeiam robôs que falam de sentimentos e que constitui um dos maiores e mais mediáticos eventos de tecnologia de futuro e empreendedorismo do mundo, também com um grande impacto turístico imediato na cidade e na nossa economia.

Nesta mesma semana, surgia, por outro lado, a notícia de uma decisão recente de um tribunal espanhol que considerou ilícito o despedimento da contabilista de um grupo hoteleiro, cujas funções foram substituídas por uma solução de natureza artificial. Não admitiu o tribunal que a empresa pudesse colocar um robô a substituir um trabalhador tendo motivações meramente económicas, ou seja, tendo como único objetivo a redução de custos.

A decisão é de um tribunal espanhol, mas o quadro legal português atual parece até mais favorável ao despedimento por extinção do posto de trabalho com aquele fundamento tecnológico, desde que se demonstre que, nas circunstâncias do caso concreto, se torna impossível a subsistência da relação laboral.

Ora, precisamente na semana em que a mais alta tecnologia de futuro passeia por Lisboa, um tribunal coloca-se ao lado do homem, contra a máquina, na manutenção do posto de trabalho, num processo que é mais que um simples litígio laboral entre um trabalhador e a sua entidade patronal. Ganhou o trabalhador, mas, muito provavelmente, apenas porque processualmente o que ficou assente é que a única motivação era económica. O trabalhador terá sido reintegrado, mas ninguém pôs em causa a importância do robô no desempenho daquelas funções que passará a assegurar. Então que funções terá agora aquele trabalhador? Em que termos poderá ser cumprido o dever legal de ocupação efetiva?

Aquela decisão judicial poderá ter resolvido um processo, mas não resolveu a questão de fundo. Existem máquinas que substituirão o homem no desempenho das suas funções laborais. É uma evidência.

E não podemos deixar de assumir o inquestionável desafio tecnológico, no caminho do futuro. Mas como conciliá-lo com o compromisso do trabalho e do emprego? Não me parece que possam ser incompatíveis ou antagónicos. A questão é sensível e impõe, desde já, uma reflexão e uma discussão séria, responsável e serena do ponto de vista da gestão de equilíbrios, para além da lei, essa criação humana imperfeita, e para além de todas as políticas populistas do imediato. Creio que deveremos ter a capacidade de assumir novos posicionamentos e de desenvolver novas competências, de assumir um novo paradigma, no qual caminharemos, sem renunciar ao futuro, mas, também, sem renunciar à nossa condição humana.

Tenho, pois, de registar aqui a intervenção de Siyabulela Mandela, neto do imenso Nelson Mandela, que, no coração da vertiginosa e alucinante cimeira tecnológica, por entre fios e robôs, relembrou que mais de cinquenta por cento dos negros sul africanos vive abaixo do limiar da pobreza e sem acesso a educação ou cuidados de saúde básicos, alertando para a necessidade de negociar com base nas necessidades humanas e não nas metas económicas, porque só assim garantiremos o futuro.