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O copo

A suave brisa de sudoeste tornava suportável a inclemência dos raios de sol, mesmo àquela hora da manhã. O mar, fazia reluzir os calhaus da praia a cada onda que morria na costa. Mais acima, perto de 30 crianças e alguns adultos, percorriam a praia de lés a lés. Procuravam devolver-lhe a sua pureza.

Há sensivelmente vinte anos atrás, convidaram-me a fazer uma limpeza de praia em Fremantle, Austrália, por ocasião de um evento de vela. Chegado ao areal, não muito extenso, perguntei-me “mas limpar o quê?” Parecia imaculado. Mas quando começamos a percorrê-lo com mais atenção, verificamos que afinal não era assim. Na altura, o que mais me chocou, foi a quantidade inacreditável de cotonetes que retiramos naquela hora que passamos de costas dobradas.

Já passara por ali, mas não reparara naquele copo de plástico, já baço, com o logótipo de uma marca de bebidas ainda visível. Entrincheirado entre calhaus, ficara ali sabe-se lá quanto tempo. Quando o agarrei, desfez-se. Literalmente. E quanto mais tentava recolher o que sobrava antes de se perder entre os calhaus, mais se desfazia em lâminas cada vez mais pequenas. Desolado, lá consegui levar alguns vestígios do que fora um copo, para um lençol estendido no calhau, onde outras tantas crianças levavam o que encontravam. Mostrei-lhes então, com o que restava do copo, o que acontece ao plástico. Desaparece da nossa vista, ao degradar-se em elementos cada vez mais pequenos. Mas continua lá. O vento e as águas encarregam-se de o transportar para o mar, onde entra inevitavelmente na cadeia alimentar. E quem está no topo da cadeia alimentar?

Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, as competições de vela desenrolaram-se na magnífica baía de Guanabara. Tivemos imensa sorte naquele período. Não choveu. Igual sorte não tivéramos meses antes, quando estagiávamos para esse evento. Sacos, copos, embalagens de plástico, flutuavam a vários níveis, tornando quase impossível fazer uma regata sem ficar com algo preso no fin ou patilhão da prancha. Mas também cadeiras, móveis, armários, televisões, ratos, gatos, cães, vacas, de tudo se podia ver a flutuar naquelas águas, outrora um santuário de vida marinha.

No espaço de uma hora, recolhemos o suficiente para encher um meio carro. Dias depois, numa limpeza sub-aquática, voluntários recolheram em duas horas, uma tonelada de lixo marinho. Assim é um pouco por toda a nossa ilha. Este é um problema global, mas que pode ser abraçado localmente!