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O Carnaval e a Música

Festejamos hoje o último dia do Entrudo (antigamente, a partir da idade média, entruido, entroydo e intruido – todos derivados do “introitus”, entrada, em latim), o nome que se dava à noite de terça-feira, depois à terça-feira inteira e, a seguir, aos três últimos dias que precedem a Quaresma. Algumas tradições, por exemplo em Nova Orleães, estendem este período desde o Dia de Reis até à Quarta-feira de Cinzas, e o dia de hoje é conhecido como Mardi Gras (terça-feira gorda), Pancake Day (o dia de panquecas, nos países do Commonwealth), Fasching, Fastelavn, maslenitsa, entre tantos outros nomes em vários países, onde às vezes é festejado em alturas ligeiramente diferentes. Com raízes ainda na época pagã, em que nessa altura se celebrava o regresso de luz diária (tribos germânicas), nas tradições populares, nas quais os disfarces tradicionais, ainda hoje mantidos no folclore de muitos países, serviam para afugentar alegoricamente o frio e o inverno, ou simplesmente porque esta foi uma última altura de comer bem, acabando-se a comida armazenada para o inverno e antes de nova época de crescimento, este dia depois foi incorporado no calendário cristão. O caráter festivo deste dia, o dia no qual a estrutura social se invertia, em que se gozava de tudo e de todos, deu origem às tradições carnavalescas, entre as quais as mais antigas foram as de Veneza (desde 1268) e Nice (França, desde 1294). E os inícios das festas de carnaval em Brasil foram influenciados pelas festividades já tradicionais da Madeira, pela qual passavam as caravelas portuguesas no seu caminho para a América do Sul, na Era dos Descobrimentos.

Não se podia prescindir da música, em variadíssimas formas, nestas festividades. Em Florença do séc. XV, desenvolveu-se até uma forma musical especificamente dedicada a essa época, “canto carnascialescho” (canção de carnaval), cujos textos, frequentemente ousados, satíricos e cómicos espelhavam bem a singularidade da ocasião. A partir de 1469, o grande mecenas e governante de Florença, Lorenzo de’ Medici, encorajou ativamente as festas e as canções de carnaval, tendo ele próprio escrito várias, contribuindo assim para um vasto repertório que incluía tanto canções anónimas, como as canções escritas por alguns dos maiores compositores da época que passaram por Florença.

De seguida, o tema do carnaval e a sua caracterização musical atraiu muitos compositores clássicos, até aos nossos dias. “Carnaval”, a suíte para piano de Robert Schumann, “Carnaval em [Buda]Peste“, a rapsódia húngara nº 9 de Franz Liszt, “Uma noite em Veneza”, a opereta de Johann Strauss Júnior, “Abertura de Carnaval” de Antonin Dvorák, “Roma”, a sinfonia nº 2 de Georges Bizet, cujo último andamento se intitula “Carnaval em Roma”, o conhecido “Carnaval dos animais” de Camille Saint- Saëns, composto especificamente para a terça-feira de carnaval, “Maskarade”, a ópera de Carl Nielsen, “Arabella”, a ópera de Richard Strauss, “Petrushka”, o bailado de Igor Stravinsky e “Mômo precoce” de Heitor Vila-Lobos, uma fantasia sobre o carnaval de crianças brasileiras, são apenas algumas das numerosas obras que utilizam as festas de carnaval como o pano de fundo para a ação dramática, ou simplesmente retratam a alegria, a pompa e a efervescência destes dias.

A tradição rica de música carnavalesca de Nova Orleães, com quase 300 anos, fez também uma contribuição forte para os inícios do jazz, enquanto, desde os finais do séc. XVIII, no Brasil cada região desenvolveu algumas expressões musicais típicas, muitas das quais hoje em dia já foram assimiladas na música pop e jazz em todo o mundo.

Bom Carnaval a todos com a música carnavalesca da vossa escolha!