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O buraco do desenvolvimento

Muitas vezes os buracos fecham-se por esgotamento do impacto mediático

Entre os buracos mais mediáticos, igualmente mais perceptíveis, por motivações diversas, o défice lidera, de forma destacada, seguindo-se outros, de menor dimensão mas não menos interessantes. Conhecemos bem os buracos sectoriais na saúde, no sistema de pensões ou os buracos nas contas municipais, sempre quentes, a nível local, e com frequentes chamadas às primeiras páginas noticiosas nacionais.

A relevância destes eventos, alguns deles constantes, centra-se, na maioria das vezes, no conceito de sustentabilidade, no aviso de que a situação não tem capacidade de se manter, na iminência de colapso, na necessidade de reforma, mesmo que para revisão do que foi revisto há não muito tempo. Tudo isto liga-se ao desenvolvimento, ao futuro, à necessidade de dispor de meios e recursos que assegurem as garantias, anseios e necessidades da sociedade, local, nacional ou global. Existe, portanto, uma ligação directa, óbvia e funcional entre os buracos e o desenvolvimento, mesmo que não se fale disso. Os buracos são sintomas e resultados de deficiências estruturais ou de incapacidades funcionais, desajustamentos orgânicos e, também, infelizmente, de negligência, má gestão ou gestão danosa.

A abordagem a estas situações nem sempre resulta na sua resolução efectiva. Muitas vezes os buracos fecham-se por esgotamento do impacto mediático. Noutras, por reformas ou mudanças, quase sempre superficiais ou pela simples rotina do ciclo político. Muda-se um governo ou um executivo municipal e o buraco deixa de ser notícia sem que haja qualquer actividade relativa à sua resolução.

Se existe uma relação entre a diversidade de buracos e o desenvolvimento, já a avaliação daquilo que se deveria considerar como desenvolvimento não merece tanta atenção. Vejamos o que diz o mais recente relatório de análise de desempenho do desenvolvimento, ao nível de cada país, considerando o desenvolvimento de forma integrada, sustentável, tal como estabelecido e acordado na Agenda 2030, subscrita pelos Estados, que, individualmente assumiram os seus objectivos de desenvolvimento sustentável. Portugal surge em 26º lugar num ranking de 162 países, analisados através do índice de desenvolvimento sustentável. O curioso desta honrosa classificação é a verificação de que os níveis de performance mais baixos do nosso país, situando-se mesmo no vermelho, correspondem aos objectivos relativos à fome, consumo responsável, acção climática e à vida aquática (principalmente o mar). Ou seja, o nosso buraco, ao nível do avanço relativamente às metas que estabelecemos ao nível dos objectivos do desenvolvimento social ainda incluem elementos ou sectores difíceis de entender mas que todos conhecemos razoavelmente bem. A vulnerabilidade social ainda persiste sob a forma da pobreza (e fome) envergonhada, estamos ainda longe da mudança de atitude (e dos incentivos necessários) ao nível das opções enquanto consumidores, continuamos dependentes das energias não renováveis (e com o medo das necessárias reformas) e, continuamos a adiar a acção ao nível da conservação e gestão adequada do nosso maior recurso natural, o mar. Os indicadores irão evoluir e seguramente incluir melhorias nestes sectores e noutros que ainda se encontram no amarelo mas, por agora, é este o buraco do nosso desenvolvimento, se quisermos utilizar o instrumento que aprovámos e que utilizámos para estabelecer o nosso compromisso. É também curioso notar que não existe debate público sobre isto, nem tal ocorrerá nos próximos meses, durante os quais muito ouviremos falar de desenvolvimento. Acredito que mesmo em Setembro, quando uma nossa delegação estiver a apresentar e a discutir o nosso desempenho nas Nações Unidas, pouco ou nada se ouvirá no dia a dia do país.